Capítulo 28 - O Rompimento

2.7K 278 177
                                    

Higino e Norah estavam sentados, um de frente para o outro, mudos. A sala onde estavam causava neles uma dor profunda que os dois mal conseguiam suportar. Eles já tinham pisado ali, dias antes, quando saíram da biblioteca secreta depois de terem sido descobertos por Ricardo.

Já tinham pisado ali, depois de anos sem ter a coragem de olhar para aqueles móveis, que estavam exatamente no mesmo lugar há dois anos.

Ricardo pedira que esperassem por ele naquele lugar para conversarem, minutos atrás e o tempo pareceu ter congelado. Os dois irmãos queriam escapar a todo custo das lembranças que transbordavam em cada quadro, cada foto nas prateleiras, cada pedaço de tecido do tapete.

Aquela era a sala onde os quatro, muitas vezes, se reuniram para conversar sobre os planos futuros, sobre as viagens que gostariam de fazer, os lugares que queriam conhecer.

Era ali que lembravam das situações divertidas, um lugar que era considerado especial para Caroline, porque ali era onde ela se recolhia para ler seus livros e passava horas do dia estudando quando sobrava tempo, na maioria das vezes com a porta trancada. Higino e Norah não sabiam bem o que tanto ela folheava nos livros e o que tanto pesquisava.

Até agora.

Quando ela morreu, a sala morreu junto com ela. A alegria que preenchia aquele lugar desapareceu, evaporou como em um passe de mágica. De um lugar agradável e iluminado passou a ser nebuloso e assombrado.

A dor espreitava por trás da porta, pronta para beijar a face de qualquer um dos três, se eles fossem atrevidos o bastante para pisar naquele ambiente. A dor os envolveria e se alimentaria das lágrimas, que eram o ingresso para aquele lugar assustador.

Depois de intermináveis dez minutos, a maçaneta girou e eles ouviram o clique da porta abrindo: o pai chegara. Ricardo estava mais abatido do que quando deixara os filhos no Castelo de Sorin, na semana anterior. Reviver o passado mexeu de forma catastrófica com ele.

O pai dos gêmeos evitou andar de cabeça erguida. O olhar passeava de uma parte para outra do chão, como se procurando uma moeda invisível que tivesse caído. Ele não conseguiu olhar para nada em volta.

Dias atrás foi forçado a encarar aquele lugar, mas depois das revelações, depois de ter voltado para Terraforte, ele não ousaria levantar a vista para aquela sala sagrada. Olheiras grotescas gritavam no rosto, enxuto para a meia idade, daquele homem. Agora, porém, ele sofria o efeito oposto: parecia dez anos mais velho do que era, de fato.

Sem dizer uma palavra, ele caminhou até a estante e a girou para fora, revelando a já conhecida passagem secreta. Com um aceno ele pediu que os filhos entrassem e os irmãos pularam das poltronas como se a superfície estivesse em brasas.

Os três desceram a escada curta e atravessaram o caminho até chegarem na porta que divide o corredor em dois. Ricardo a destrancou e eles caminharam o que faltava, passando pela estante que ficava na sala do primeiro andar. Quando chegaram ao lanço de escadas que levava para baixo, Norah levou um susto de leve ao ouvir Higino quebrar o silêncio:

— Por que estamos aqui de novo, pai?

Ricardo lançou um olhar triste para o garoto:

— Emília está vindo para cá. Não podemos demorar aqui. Apenas me sigam.

Ninguém disse palavra alguma nos minutos que seguiram até chegarem no ambiente de pedra e de novo os gêmeos admiraram os pilares e lanços de escada que se contorciam perfeitamente, encontrando-se. Lá estavam as cinco portas e todas continuavam fechadas.

Os Descendentes e a Ferida da Terra (Livro Um)Onde histórias criam vida. Descubra agora