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Eu não irei ver agora, disse Selene para si mesma enquanto secava o cabelo após vestir o pijama. Logo após do banho ela deu uma última olhada no corte do braço antes de passar o liquido angelical, em seguida a atadura, enrolando-a e fingindo que no dia seguinte não estaria mais ali a intrigando. A vontade de descobrir se já havia se fechado era tentadora, no entanto.

Bagunçou o cabelo e esticou a toalha no encosto da cadeira próxima à escrivaninha desorganizada. De acordo com Selene, manter a área de desenho e leitura desarrumada a fazia ter muito mais criatividade e pensar mais. Havia pilhas de livros acadêmicos e de ficção fantástica em cima da mesa; desenhos haviam sido colados na parede em volta. Selene se surpreendeu ao saber que havia livros de literatura fantástica na biblioteca da Academia, pensara que só tivesse sobre Anjos e demônios, mundos fantasiosos à maneira real em si e sobre as matérias.

Em um canto da escrivaninha próximo a parede, estava um livro de capa velha e emoldurada. Selene o pegou e abriu, revelando páginas amareladas e respingos de tinta preta contanto histórias maravilhosas fantasiosas. Era um dos livros do avô Rafael; Selene lembrou-se do modo que ela ficava em seu colo quando era pequena, ele sentado em uma cadeira de balanço contando as histórias de maneira calma e tranquila, como se não houvesse nada além dos dois e o livro.

Ali, Selene havia colocado o papel de pergaminho encontrado no porta-luvas do carro. Decidiu que o caderno de desenhos era arriscado demais para mantê-lo dentro, então o colocou dentro do livro. Aquilo era importante; arrumaria um jeito de perguntar a Angelie o que era, se sabia, ou até mesmo para a professora Ártemis – já que havia colocado Selene dentro de um "sonho".

Ao fecha-lo, um som de asas batendo encheu o quarto. Selene fez uma careta, dirigindo o olhar rapidamente em direção a janela da qual viera o som. As cortinas estavam fechadas e o vidro fechado por conta do frio. Vislumbrou a sombra do formato de... corvo? Caminhou até a janela e afastou as cortinas. Não era um corvo e sim uma coruja. Uma coruja branca, penas pretas pontilhando pelo corpo retraído e fofo, os olhos arredondados e negros.

Selene ergueu as sobrancelhas e depois sorriu. Abriu a janela, ar congelante agredindo a pele quente. A coruja apoiou no parapeito, as asas dobrando para dentro.

— O que você está fazendo aqui, hã? – Disse gentilmente enquanto levava os dedos para acariciar a coruja. Estremeceu ao toque de Selene e depois se encolheu. Raramente corujas passeavam por Pittsburgh, quase não havia delas pela cidade.

A coruja a olhou com os olhos negros, o bico curvado passando delicadamente no dedo indicador de Selene. Sentou no sofá abaixo da janela, as pernas cansadas e doloridas. Estava exausta; o corpo havia atingido chão e parede de maneira violenta na Caçada. Merecia descanso, pelo menos por um instante.

Ao se virar para encostar as costas no estofado macio, a coruja ficou em seu ombro direito, Selene sentindo sua penugem agradável roçar em seu rosto. Ficou pensando como agiria perto do Exorcista após capturar o liquido angelical – agira de modo tão seco que o coração até doía. Maze já havia a protegido demais, cuidado dela demais embora nenhum dos Exorcistas se importassem com os jovens escolhidos pelos Anjos. Sabia disso. Se aquilo era verdade, por que o coração se apertava ao saber? Ao lembrar?

Fechou os olhos jogando lentamente a cabeça para trás. Não deveria pensar naquilo, certo? Ninguém mais se importaria, afinal.

Ocupou a mente com o Treinamento, como faria para se sentir satisfeita ao se movimentar com a espada. Poderia treinar mais cedo, pensou ela, depois da escola. Suaria até manusear a arma de forma correta.

Sem perceber, Selene respirou profundamente e caiu no sono.

***

As costas de Selene ameaçavam quebrar a cada movimento. Dormira de mal jeito, amanheceu em cima do sofá e cheia de neve no cabelo. Quando acordou, a coruja já não estava mais lá.

Agora estava a caminho da área de Treinamento após as aulas terminarem. O céu como todo inverno até o final deste permanecia denso, cinzento e pouquíssima neve caía.

Durante a aula de educação física os alunos treinaram com suas respectivas armas, porém, a nota de Selene permaneceu a mesma. 8. Aquele número havia a deixado mais irritada.

Avistou uma forma pequena com os braços posicionados para atirar uma flecha na área de Treinamento. Selene não precisou estreitar os olhos para descobrir quem é; Liz estava apontando uma flecha para um alvo grande com uma distância da mesma dimensão. Parou por um instante para observar a garota pequena, Liz esticou a linha do arco ornamentado, os dedos encostando em seu rosto mergulhado em concentração. Ela não parece respirar, observou Selene. Liz atirou a flecha, o barulho rápido e estridente atravessou o ar, atingindo o alvo no centro vermelho.

Fascinada, Selene a aplaudiu. Notou o ligeiro susto da garota que se voltou para ela, abaixando o arco.

— Há quanto tempo está aí? – Perguntou Liz, secando o suor que descia com o dorso da mão enluvada até os três dedos.

— Não muito, acabei de chegar. – Respondeu ela caminhando até a garota. – Isso foi incrível. É como se você fosse uma profissional.

— Não é bem assim. – Riu ela. – O Monitor disse que eu teria que ser mais rápida embora seja uma arma de longa distância. Demônios não esperam você escolher o alvo.

— Mas saiba que você está muito boa nisso. Eu estou aqui para treinar mais com a espada, não é o suficiente para mim ainda.

— Você está preocupada demais com isso, Selene. – Liz ajustou a armação dos óculos, os olhos verde-escuros calmos. – A suficiência só irá surgir quando estiver em uma situação de risco, de proteger a si mesma ou outra pessoa. As pessoas fazem coisas incríveis nessas situações, se superando.

Selene suavizou o rosto. Aparentava estar mais preocupada com a nota recebida do que realmente aprender em si.

— Muito bem. Vamos treinar.



Selene e Liz treinaram juntas por um longo tempo. Ao se esforçar, o inverno pareceu não existir, o calor fervia no corpo de cada uma. Exauridas, as duas garotas se permitiram descansar, pois daqui a poucas horas um novo treinamento iria se iniciar.

Ambas caminharam até a metade da trilha para ir ao dormitório, o som de arbustos dominou o local silencioso. Selene e Liz se entreolharam e dirigiram os olhos em direção aos arbustos que rodeavam a Academia, dormitórios e a área dos Exorcistas.

Selene concluiu que aquele som não provia de algum animal ao se esconder no meio da folhagem. O coração palpitou quando elas se aproximaram cautelosamente dos arbustos. Selene deu um passo adiante, no entanto, alguma coisa desabou por cima das folhas, fazendo ela e Liz darem um pulo para trás.

Os olhos de Liz pareciam dez vezes maiores quando arregalou os olhos, levando as mãos em frente à boca. A garganta de Selene conteve um grito agudo e horrorizado.

Um corpo assustadoramente familiar estava por cima dos arbustos, os olhos vidrados para cima, a boca aberta como se tivesse visto a coisa mais assustadora na vida. Ou que outrora tivesse vida.

Selene sentiu as pernas vacilarem quando se deu conta de quem era.


Elementais das Trevas - Os Cavaleiros do Inferno #2Onde histórias criam vida. Descubra agora