Capítulo 2 - Apatia

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Acordo sentada num susto bem quando um garotinho tropeça e derruba um copo d'água onde um segundo antes minha cabeça estava. Solto um grunhido afastando a mochila de cima do colchão e agradecendo aos deuses pelo conteúdo do copo não ter caído diretamente em mim ou eu teria congelado a água na frente de todo mundo.
Todos despertam com a trombeta e logo os irmãos Stoll procuram dar ordem ao lugar. Mas não consigo prestar atenção, meus pensamentos ainda giram em torno dos fragmentos do sonho que tive e estou tão aliviada que sinto vontade de chorar com o que ficou gravado em negrito no meu cérebro: “Sua irmã está viva, em breve vocês irão se encontrar”.
Até sinto meu peito mais leve. Qualquer pessoa em seu juízo perfeito não levaria palavras ditas num sonho à sério, mas Encapuzado nunca mentiu pra mim e ao longo do tempo ele (que, desconfio, é real) mostrou ser de confiança.
Depois de estudar de grego antigo, largo os livros e saio de dentro do chalé, sem saber ao certo pra onde queria ir. Meu corpo só precisava de ação, então me encaminhei para onde um grupo de pessoas treinava arqueirismo.
— Posso tentar? — Pedi à semideusa que estava ensinando.
Ela assente e me consegue arco e flechas, me ensinando como manejar a arma. Meio sem jeito, aponto para o alvo, esticando e soltando o cordão. A seta rasga o ar e finca poucos centímetros do centro do alvo. Nada mal, penso. Continuo atirando, acertando bem no meio. É como se eu tivesse nascido pra alvejar o alvo.
Pego a última flecha. Miro. Atiro. E consigo a proeza de atravessar uma das setas que já estava no alvo, estraçalhando a antiga com a ponta da nova, fincando bem no centro. Arregalo os olhos, incrédula.
— Caramba — me viro e vejo um garotinho de mais ou menos treze anos, fuligem na barra da camiseta e traços asiáticos nos olhos. — Eu teria apostado em Apolo, se você tivesse um pai divino ao invés de uma mãe.
— E em quem você apostou? — Deixo o arco no lugar.
— Ainda não estou certo, preferi esperar mais um pouco. — Ele abre um sorriso, os dois dentes da frente um pouquinho separados. — Hiro Hamada.
— Elsa de Arendelle. — Aperto sua mão estendida no ar.
Uou! — Exclamamos juntos e recolhemos nossas mãos de vez com o choque térmico.
— Você é tão quente!
— Você é tão fria!
Arrumo uma mecha de cabelo atrás da orelha e recuo um passo. Hiro enfia as mãos nos bolsos e desvia os olhos.
Não sei explicar ao certo o que aconteceu. Senti que Hiro pôde captar uma aura congelante no meu espírito frio, bem como eu também senti uma chama ardente queimando dentro dele.
O garoto abre a boca, mas não chega a falar.
— Espero que esse pentelho não esteja te incomodando, Elsa. — Tadashi aparece e prende Hiro num mata-leão, bagunçando o cabelo escuro do menino. — Meu irmãozinho costuma ser um pouco inconveniente.
Sorrio e é impossível não lembrar de Anna ao ver aqueles dois. Quando estou prestes a me perder em pensamentos, Tadashi aponta para o arco largado ao meu lado.
— Treinando?
— Sim — respondo —, arco e flecha não é assim tão difícil.
— Tá brincando?! — Hiro se vira para o irmão e aponta o boneco de feno que me serviu de alvo. — Ela deixaria Will Solance no chinelo!
— Elsa, aquilo foi... Você?
— Sim, mas...
— Devia ter visto, Tadashi! Eu quero ela no meu time de caça à bandeira.
— Foi sorte de principiante. — Explico.
Jogamos conversa fora enquanto vamos procurar algum lanche pra repor as energias. Me entregam uma caneca, que se enche de chocolate quente com um simples pensamento. Numa das mesas espalhadas pelo ambiente, estão Flynn, Astrid e algumas amigas dos irmãos Hamada, que me apresentam às campistas sentadas ali.
— GoGo, filha de Plutão; HoneyLemon e Rapunzel, filhas de Afrodite. — Tadashi diz. — Essa é Elsa.
Aceno timidamente.
— Oi! — Rapunzel alarga os lábios num sorriso.
— Ohhh!!!! Não acredito, não sou a única fã de Harry Potter no acampamento! — A loira de salto-alto e óculos exclama animadíssima, notando meu colar das relíquias. — Vem cá, me dá um abraç... NOOOOSSA, como você é fria! — Ela se afasta de súbito. — Punzie, segura a mão dela, olha só!
— Honey, para com isso, tá assustando a garota — GoGo, a menina com a camiseta roxa do acampamento Júpiter, faz uma bola de chiclete.
— Olha, não se preocupe, elas são assim mesmo — Hiro dá de ombros. — Devia ver o Fred, ele quem escolheu os apelidos delas e...
Ao mencionar o nome de Fred, todos na mesa se calam, como se a alegria do lugar tivesse criado asas e partido pra bem longe. Antes que Rapunzel diga qualquer coisa, uma garota chega por trás, as mãos na cintura.
— Então, é aqui que vocês estavam.
Rapunzel e Lemon congelam no lugar ao perceberem a presença da conselheira do chalé 10.
— Drew, a gente...
— E com esse tipo de companhia — ela estreita os olhos pra mim.
Eu já esperava toda essa hostilidade. Desde ontem, na hora do jantar, Drew (a nova conselheira do chalé 10, desde que Piper McLean se ausentou) decidiu que não gostava de mim. Repare, eu procuro sempre ficar distante de confusão, como Flynn disse, eu “só relaxo e fico na minha”. Geralmente, só faço alguns comentários baixinhos, como foi o caso, embora, bem no momento em que eu falei, todos se calaram de repente e cada um no acampamento ouviu.
Aconteceu assim que a filha de Afrodite terminou de pisar e quebrar o coração daquele garoto magrelo, que eu nem sabia o nome, na frente de todo mundo. Eu acabei falando algo como “Bem, pelo menos agora sabemos como as vacas agem pra receber atenção” e arranquei boas gargalhadas dos semideuses.
E, claro, arranquei também um bom pedaço do ódio de Drew, por não-intencionalmente tê-la humilhado enquanto realizava um estúpido ritual de quebrar corações do chalé 10.
— Acho que tá na hora de irmos — Drew faz um movimento com a cabeça e em dois tempos Honey e Rapunzel se levantam e ficam atrás dela. — E podem acabar com isso.
Faço uma careta quando vejo os semideuses saindo de seus lugares e “acabando com isso”. Olho para o rosto de Astrid, os olhos da filha de Ares nublados, como se estivesse...
— E também acho que alguém deveria se desculpar. — Drew chama minha atenção e reviro os olhos, mas decido que não quero confusão.
— Tudo bem, eu não quis...
— De joelhos. — Ela cruza os braços.
Pisco, estupefata.
— O quê?
— Vai se desculpar. De. Joelhos. — Ordena, pausadamente.
Os outros semideuses olham pra mim, esperando, um traço de nervosismo evidente por trás de seus olhos vidrados, como se estivessem em...
Como se estivessem em estado hipnótico.
Imediatamente, uma conversa entre mim e Tadashi retorna à minha mente. Ele estava me contando as histórias dos sete semideuses da profecia e de como Piper McLean tinha uma coisa chamada “Charme”, um processo hipnótico com as palavras característico dos filhos da deusa da beleza. E eu aposto tudo que tenho como Drew também tem esse poder.
Por sorte, não estava fazendo efeito em mim, de forma que eu cruze os braços e diga alto e claro:
— Não.
A resposta pareceu um tapa na cara da garota.
— Como é?
— Não — repito e me viro para os outros —, e ninguém precisa fazer o que ela diz.
Sinto uma frieza emocional se instalar em mim, como acontecia toda vez que Anna ficava nervosa demais e precisava que eu a acalmasse. Deixo com que esse frio emocional, essa apatia, tome conta de mim e cubra as pessoas à minha volta. Rapunzel pisca desnorteada, Hiro faz uma careta, indeciso entre obedecer a Drew ou se libertar do Charme.
Drew leva um choque ao notar que algo estranho aconteceu, surpresa o suficiente para quebrar o encanto (o que é bom, já que se isso se transformasse numa disputa, ela ganharia por ter mais experiência e habilidade que eu). Ela estreita os olhos para mim por um momento antes de bufar e sair com o nariz empinado.
— Uau — Hiro se joga no banco e massageia as têmporas.
— Alguém me explica o que aconteceu aqui? — Astrid aperta o espaço entre os olhos.
Honey e Rapunzel troncam olhares expressivos, como se soubessem exatamente o que a irmã de chalé estava fazendo. Os outros se viram para mim e recuo dois passos com os olhares, notando que o chocolate quente esfria e congela devagar na minha mão. Antes que alguém repare na minha caneca ou abra a boca para fazer qualquer pergunta, giro nos calcanhares e saio.

Uma semana depois, já aprendi boa parte das coisas tanto no acampamento, quanto do mundo através da névoa. Mas ainda não sabia tudo. Eu não faço ideia de quem é a minha mãe e isso sempre me faz imaginar se aquela coisa com o gelo tem algo haver com ela, mas durante todo esse tempo, nunca vi nem um chalé do tipo, apenas o vigésimo se assemelhava.
Eu estava prestes a comentar sobre isso com Tadashi, mas reparamos um movimento estranho perto do Pinheiro de Thalia e paramos de conversar.
— Tadashi, você precisa ver isso. — Astrid aparece do nada, nervosa.
Corremos atrás dela até a fronteira. Abrimos espaço pela multidão até que eu veja Hiro carregando uma garota muito bonita nos braços, mas que por ser bem maior que ele, acabou por fazer o garoto deita-la aos pés do Pinheiro. Tinha cabelos longos e cor de mel, acompanhados de uma daquelas tiras na testa, headband.
— Hiro! — Tadashi se aproxima do irmão agarrando-o pelos braços. — Você tá bem? O que aconteceu aqui? Quem é essa garota?
— E-eu não sei... Eu tava ajustando meus microbôs e vi essa menina cair do céu e aí...
A garota solta um grunhido e se move desconfortável, abrindo os olhos amendoados assustados de repente. Ela parece à beira de um colapso nervoso, se arrastando para longe da multidão caótica, o rosto arranhado e coberto de fuligem, como usualmente estaria o de um filho de Hefesto.
— Tudo bem, tudo bem. — Me aproximo quando percebo que os outros só estão piorando as coisas. Sei que estou emanando aquela minha frieza de sentimentos e a garota, de forma súbita, se acalma. — Você tá salva agora. Eu me chamo Elsa e esse é o acampamento meio-sangue. Qual é o seu nome?
A garota olha desconfiada ao redor, mas mantém o foco em mim ao falar:
— Meu nome é Calypso.


Olá, semideuses! Espero que estejam gostando. Esse capítulo foi meio parado, eu sei.. Mas prometo que nos próximos capítulos um vendaval de ação vai acontecer rs'

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