Merida
Alguns minutos atrás.Nos esgueiramos dentre as árvores, avançando meio agachadas, o coração batendo forte. Faço um sinal silencioso com a mão pra Rapunzel parar. Mesmo que tente disfarçar, ainda posso ver que a loira está apavorada...
Mantenho as costas coladas contra o tronco da árvore e espio. Jack Frost tinha razão, um exército de monstros está guardando o portão. Viro de volta.
- E aí, o que temos? - Rapunzel pergunta baixinho.
- Não dá pra ver direito, o mato é muito alto, mas... contei quase vinte deles, só do lado de fora.
- Que tipo de monstros eles são?
A resposta surpreende até a mim mesma:
- Bom... Parecem humanos.
- O quê? - Ela arregala os olhos verdes e enormes. - Humanos, tipo, semideuses?
- Não, eu acho que não, semideuses não são tão feios.
A loira estica o pescoço, olhando além do exército e exclamando enquanto aponta:
- Os dragões!
Sigo seu olhar. Duas das criaturas batem suas asas e tomam voo para a região a oeste daqui.
- Hiro e Soluço - ela diz -, seja lá o que estão fazendo, tá dando certo, estão conseguindo atrair os dragões pra longe.
- Jura? - Meu tom é de sarcasmo. - Não vai adiantar se aquele terceiro continuar ali.
Ela passa os olhos pela fera branca e uma pontada de preocupação cruza seu rosto:
- Eles vão conseguir... Eu acho.
Rapunzel está insegura. E isso é muito ruim. Sei que se ela continuar preocupada com os outros, não vai conseguir lutar direito e, gostando ou não, é com os monstros meio-humanos que devemos nos preocupar agora. Não que eu não ligue pra Elsa ou Hiro - pelo contrário -, mas manter a cabeça neles vai fazer com que eu perca a minha.
Solto um suspiro pesado e ponho a mão no ombro da garota, literalmente transmitindo minha força e confiança para ela, uma habilidade dos filhos de Belona:
- Zel, eles são dragões e você sabe que não tem ninguém melhor que Hiro pra mexer com fogo, ele vai ficar bem.
- Tá, mas... Não está preocupada com Soluço?
Soluço...
O nome dele ecoa na minha cabeça e o meu peito aperta com uma dor profunda e antiga. Eu queria conseguir desejar que ele estivesse no Tártaro, queria poder dizer que adoraria que ele fosse comido por um daqueles dragões e que não daria a mínima se ele morresse. Mas sou incapaz de simplesmente não me importar com ele.
Na verdade, eu me importo mais do que deveria.
Só que, quando finalmente abro a boca, quem responde é a Caçadora que tenho dentro de mim:
- Não dou a mínima, mas se ele acabar morrendo... Bem, essas coisas acontecem durante as guerras. Não vamos vencer nem uma batalha nos preocupando com o que não está ao nosso alcance, não é?
Ela assente com a cabeça, calada e pensativa, e sinto um gosto amargo na língua, o rosto de Soluço tão claro na minha mente, o cabelo castanho, os olhos verdes... Pelos deuses, desde a primeira vez que olhei naqueles olhos, verde se tornou a minha cor preferida. Então passei a ter o estranho hábito de pensar nele durante todas as coisas que eu fazia, costumava imaginar o que o garoto diria se estivesse comigo enquanto eu treinava arqueirismo ou qual comentário idiota ele iria fazer sobre alguma coisa engraçada.
Nós dois éramos tão amigos, tão próximos...
Mas isso é coisa do passado, lembro a mim mesma. Ele tinha outros planos, com outra pessoa, e eu segui o meu próprio caminho como Caçadora.
Sim, eu segui em frente.
Não é?
Uma agitação esquisita entre os monstros chama minha atenção e paro de pensar naquelas coisas.
- O que tá acontecendo? - Rapunzel estica o pescoço.
-... cortamos eles em fatias e dividimos os pedaços entre nós! - Um dos homens berrava.
- Não! Devemos assar a menina na fogueira e jogar o garoto para os dragões!
- Cortem as cabeças deles e mandem de presente para o Monte Olimpo! - Outro propôs.
- CALADOS! - A voz estrondosa silencia a todos e me faz estremecer.
Eu reconheceria aquela criatura bestial em qualquer lugar.
Mor'du.
Ele não mudou nada. A barba preta espessa, a túnica escura e o casaco de peles abertos, exibindo no peito as cicatrizes grossas herdadas em batalhas, como a que desfigurou seu rosto, cegando um dos olhos amarelos.
- Me tragam cordas - ele se vira -, vamos enforcar os dois e colocar as carcaças deles como aviso para qualquer outro semideus idiota que tentar se aproximar novamente!
Um urro de comemoração se segue com as palavras e minha barriga esfria. Rapunzel pergunta o mesmo que eu estou pensando:
- Você não acha que ele possa estar falando de Elsa e Jack, acha?
- E-eu... eu não sei. - Seguro firme o arco na mão, mas eu tinha certeza que os dois apareceriam ali agora, amarrados, feridos e amordaçados.
Os monstros passam cordas pelos galhos de uma árvore ao lado e, com impressionante rapidez, foi montado o cenário de execução. Em baixo da árvore da forca, bancos que poderiam ser chutados para longe quando as cordas já estivessem ao redor dos pescocinhos das duas vítimas.
Rapunzel tira uma bomba da alça da bolsa:
- Podemos explodir tudo agora e evitar que...
- Não - interrompo -, não podemos fazer nada ainda, olha!
Ela segue com os olhos para onde estou apontando, o terceiro dragão continua no lugar. Se denunciarmos nossa posição agora, ele acabaria com a gente em dois tempos e o esforço de Hiro e Soluço teria sido em vão, assim como essa missão toda.
A loira tenta conter o pânico, eu mesma estou prestes a irromper num ataque histérico.
- Tragam os heróis! - Mor'du ordena, seguido de gritos de guerra eufóricos.
Vaiando, os monstros meio-humanos abrem espaço para que um casal desfile para onde um nó de corda ceifará suas vidas. A visão de Jack e Elsa estava tão nítida na minha mente, que não posso evitar um arquejo de susto misturado com um momentâneo alívio ao perceber que não são eles dois que estão ali.
Quem está caminhando para a forca é Annabeth Chase e Leo Valdez.
E eles pareciam estar presos há vários dias, sobrevivendo de migalhas de pão, sem dormir há semanas. Círculos escuros em baixo dos olhos fundos, as roupas sujas e rasgadas, os cabelos emaranhados, hematomas e cortes no rosto. Dois dos sete deuses da profecia capturados, perto de uma morte inevitável. Se eles não conseguiram escapar disso, como nós vamos?
- Hoje acontece a primeira morte de dois dos grandes heróis do Olimpo! - Mor'du anuncia, triunfante. - Que hoje marque o início da ruína dos deuses!
Urros e berros de concordância vibrando na horda de monstros, que parecia ter triplicado em tamanho. No meio da multidão, um deles solta um uivo, seguido por outros, até que o coro esteja formado.
- Eles são lobisomens - Rapunzel murmura. - Estão seguindo o alfa, que deve ser o brutamontes da cicatriz no rosto.
- Não, aquele é Mor'du - explico. - Eu deveria ter percebido logo no início que eles são homens-lobo, mas a falta do líder, Licáon, me desorientou. Ele não está aqui, mas... nunca vi tantos lobisomens assim na minha vida, acho que é a maior alcateia em todos os tempos.
- E quem é Mor'du?
A pergunta me deixa calada por alguns segundos, digerindo a situação.
- Foi um príncipe guerreiro, abençoado pela minha mãe, Belona - respondo por fim. - Ele tinha outros três irmãos, com quem deveria dividir o reino após a morte do pai. Só que Mor'du alegava que, como era o primogênito e o que mais venceu guerras pelo reino, deveria, por direito, governar sozinho, mas ninguém aceitou aquilo.
- E o que aconteceu? - Rapunzel pergunta, como uma criancinha ouvindo histórias de terror.
- Ele destruiu a família. Matou os três irmãos e começou um reinado de carnificina. Claro que o povo não concordou com isso, nem a minha mãe. Belona pode ser a deusa da guerra, mas em seu templo também eram feitos acordos de paz, paz duradoura. Mor'du enlouqueceu, tudo o que se via nele era pura bestialidade, ele mal era humano. - Viro o rosto, olhando para o monstro que continua com seu discurso de ódio contra o Olimpo. - Então minha mãe o transformou exatamente nisso, uma besta, um urso negro. Mas Belona se arrependeu.
- Ela se arrependeu de ter amaldiçoado ele?
- Não, ela se arrependeu de não ter matado ele. Mor'du se tornou vingativo, perseguia e, quando tinha a chance, assassinava todos os filhos de Belona. Ele tentou fazer isso comigo quando eu era pequena, meu pai tentou impedir e hoje ele usa uma perna de pau - solto uma risada sem humor. - Belona me deu a missão de caçá-lo, colocar um fim nisso. E acredite, eu vou.
Rapunzel abriu a boca para falar alguma coisa, mas foi interrompida pelos berros ensurdecedores dos lobos.
Mor'du erguia o punho para cima, vitorioso:
- O GAROTO MORRE PRIMEIRO!
Gritos de guerra, uivos cortam o ar e meu coração acelera, as mãos suadas ao redor do arco.
- Merida, não podemos deixar eles morrerem!
- Mas também não podemos estragar a missão - olho apreensiva para cima, todo o movimento que o dragão faz é levantar levemente a cabeça, como se estivesse intrigado com algo que acontece no horizonte. - Zel, não podemos sacrificar o Olimpo inteiro por causa de apenas dois semideuses.
Eu não queria dizer em voz alta o pensamento horrível que está na minha cabeça, mas a execução de Leo e Annabeth também é a distração perfeita. O evento deve ter reunido todos os monstros na frente do castelo, Rapunzel e eu não precisamos sair do lugar e arriscar nossas peles, os monstros nem sequer fazem ideia de que estamos aqui. Não é um gesto nobre - é cruel -, mas é verdade.
- Merida, por favor - a loira implora, uma nota de nervosismo na voz. - Não podemos ficar só olhando!
Mas a verdade é que nós podemos sim. A questão é se conseguiríamos mesmo fazer isso.
Leo é empurrado na direção de Mor'du, que passa a corda (provavelmente encantada à prova de fogo) ao redor do pescoço do garoto. Annabeth, que até então manteve o semblante frio e racional típico dos filhos de Atena, irrompe em lágrimas, chorando furiosamente até soluçar.
- Merida!
- Mas que droga! - Puxo uma seta da aljava, tencionando o cordão do arco, minhas mãos suando frio, engulo seco.
Valdez põe um pé em cima do banco, depois o outro, e alguém puxa a corda da forca, de modo a erguer o garoto pelo pescoço, a pontinha dos pés dançando em cima do banco.
Mor'du se posiciona perigosamente ao lado de Leo:
- HOJE MOSTRAREMOS O PODER DE URANO E OS DEUSES SE CURVARÃO!
Me concentro, respirando fundo e soltando o ar pela boca, mirando a extensão da corda bem acima da cabeça do filho de Hefesto.
- NÓS IREMOS TRIUNFAR!!!
E que seja o que as parcas quiserem, penso.
Mor'du chuta o banco em baixo dos pés de Leo Valdez e o mundo passa a funcionar em câmera lenta. É como se tudo silenciasse e eu só escutasse o suave ruído do corpo da flecha deixando o arco e cortando o ar em linha reta.
Na minha cabeça, recito um trecho da profecia:
"A flecha da caçada rasga o tempo que acabou para a sétima vela que não mais brilhou".
Enquanto o semideus despencava para a morte, a seta de prata seguia o seu destino rompendo a corda da forca e impedindo que Leo quebrasse o pescoço.
Ao invés disso, o garoto tomba de cara no chão, fazendo todos se calarem, chocados.
- Você conseguiu! - Rapunzel arregala os olhos, de boca aberta.
Lá em cima, o dragão abre suas asas brancas majestosas e alça voo para longe, minha façanha escapando de seus olhos vigilantes.
- INVASORES!!! - Alguém no meio da multidão grita.
Eu não preciso dizer, Rapunzel lança suas bombas. A primeira cai entre os lobisomens no meio da metamorfose em lobos, o fogo grego incinerando as monstruosidades; a segunda atinge o muro do castelo, explodindo concreto em cima de todo mundo.
Sem parar, faço movimentos rápidos, automáticos. Tirar a flecha da aljava, esticar o cordão do arco, mirar, atirar... Mas quantas vezes eu teria que fazer aquilo até ser pega? Os monstros estavam em maior número.
Minha parceira arremessa uma última bomba e desembainha a frigideira, que se alonga na espada.
- Pelos deuses, Rapunzel, você ficou louca?!? - Grito. - No que você tá pensando?!
- Eu não posso deixar eles dois sozinhos ali!
- Volta pra cá AGORA! - Mas ela já tinha saído correndo com a espada, desferindo golpes em tudo que se move, e eu me vejo obrigada a dar cobertura, atirando em qualquer um que se aproxime dela, até que a loira suma no mar de monstros.
Continuo atirando, por vezes uma bomba explode no meio dos lobisomens, mas não importa o quanto lutemos bem: essa é uma batalha que não vamos vencer. Eles estão em maior número. A gente sabia que é suicídio fazer isso, mas estamos dispostas a dar nossas vidas para destruir Urano.
Quando lanço minha última flecha, tiro a espada da bainha e, num súbito ataque de loucura, corro para o meio do frenesi.
Acho que não devo ter transformado mais de dois lobos em pó, quando de repente todos ao meu redor param de me atacar ao ouvir:
- ELA É MINHA!
Viro para trás.
A voz é de Mor'du.
- Não vai conseguir me escapar como da última vez - ele sorri, exibindo os dentes amarelos e embolorados. - Não vai sobrar nem um pedacinho seu pra contar história, Caçadora.
Aponto a espada na direção dele, anunciando:
- Seguirei as ordens da minha mãe. Você vai morrer em nome de Belona.
- Acho difícil você fazer isso quando estiver sem a cabeça.
Mor'du se curva, suas juntas estalando, as unhas das mãos crescendo em garras, o pelo preto lustroso se espalhando por toda a pele. A túnica escura cai do corpo e o príncipe caído se ergue sobre as patas traseiras na forma de um urso negro gigante.
Ele berra como o animal furioso que é e ergo a espada com as duas mãos, pronta para o combate. Penso em Belona, no meu pai, em meus irmãozinhos trigêmeos e na minha mãe mortal, Elinor, em todos que eu amo.
Penso em Soluço.
Mor'du e eu estamos prestes a entrar em confronto quando um rugido estrondoso retumba sobre nossas cabeças, fazendo com que todos olhem para cima.
No céu, três dragões sobrevoam a região, levantando uma onda de pânico. Dois deles incendeiam tudo que está no chão, o outro faz chover agulhas de gelo que atravessam os lobisomens, como lanças.
Meu coração afunda. Soluço está morto, é a conclusão do meu primeiro pensamento.
A do segundo é que todos nós também vamos morrer.Olá semideuses! Eu demorei muito com o capítulo? Kkk Mil perdões. Mas e aí, gostaram do ponto de vista da Merida? O que estão esperando dos próximos capítulos? Gostaram da surpresinha com Leo e Annabeth? Esses dois ainda vão dar o que falar... (poker face).
Ah, e o mais importante, QUAL É O PERSONAGEM PREFERIDO DE VOCÊS? *-*
Cliquem na estrelinha e comentem <3
Bjs.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Solstício de Inverno
FanfictionA atmosfera fica tensa e todos se calam num silêncio sepulcral para que Rachel anuncie: "O Cajado guia os quatro filhos de estação para levar o Céu à destruição A flecha da caçada rasga o tempo que acabou para a sétima vela que não mais br...