Capítulo 8 - Um Velho Amigo

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O céu já está com aquela coloração alaranjada de fim do dia e ainda não estamos nem perto de onde devemos ir. Estávamos caminhando há horas e nada.
- Juro por todos os deuses que não aguento mais ver árvores! - Hiro reclama, irritado. - Tenho certeza absoluta que já passamos por aqui.
- Engano seu - Soluço diz. - Estamos na direção certa, não consegue sentir os ventos?
Hiro faz uma careta:
- Sentir os ventos? Cara, você é estranho...
Abro um sorrisinho e volto a ouvir nossos passos crocantes no tapete de folhas secas. Eu detesto ter que concordar com Hiro, mas a impressão é que estamos mesmo andando em círculos, meus pés estão me matando!
Casualmente viro a cabeça. Aí está você, penso, encontrando os olhos amarelos do lince mais uma vez. O felino felpudo seguia os nossos passos, corria furtivamente dentre as árvores, nos espiando (quase) sem ser notado. Será que fazemos parte do cardápio desse bicho? Acho que ouvi falar em algum lugar que linces comem até cervos... Ou será que não? Bem, se quisesse nos comer, já teria comido.
- Ah, que ótimo - Merida solta a bolsa no chão, parando meus devaneios. - Claro que isso tinha que acontecer.
Um lago apareceu no meio do nosso caminho, nos barrando. Olho para o espelho d'água, sem dúvida, o lago é fundo demais para tentar atravessar direto.
- Temos que dar a volta - digo, derrotada.
- Gente, por favor - Rapunzel implora -, não aguento mais andar!
E nem eu. Olho para as montanhas no horizonte, o castelo de marfim parece mais longe ainda. Cedendo ao cansaço, encosto a mochila numa árvore:
- Então vamos acampar aqui, voltamos a andar quando amanhecer.
Merida alcança um lenço na bolsa de couro:
- Afastem um pouco.
Estranho, mas mesmo assim dou dois espaçosos passos para trás. A Caçadora joga o lenço retangular no chão, que se expande até ganhar a forma de uma barraca de camping de três por três metros e meio.
Hiro solta um assobio baixo:
- O que mais você guarda aí dentro? Consegue tirar uma banheira de hidromassagem daí? Cara, uma banheira de hidromassagem cairia bem...
- Não sonhe tão alto, Hiro. Hylla, minha irmã por parte de mãe, me deu alguns presentes depois que salvei suas amazonas. Ela sentiu que deveria me recompensar por isso.
Eu fiquei feliz por saber que pelo menos um de nós tem experiência de verdade numa batalha. Nossa luta contra as plantas malignas de Gothel não é nada se formos enfrentar um inimigo de grande porte.
- Espera - falo, me dando conta. - Você disse que Hylla é sua irmã? A rainha das amazonas é romana, não é?
A ruiva sorri:
- A gente mal se conhece e aqui estamos, todos juntos numa missão pra salvar o Olimpo... Sim, minha mãe é Belona, a deusa romana da guerra. Mas também tenho uma ligação muito forte com o Acampamento Meio-Sangue, foram os gregos que me encontraram depois que... - Os olhos de Merida ficam nublados por um segundo. Ela sacode a cabeça, voltando à realidade. - Bem, eu me sentia melhor no acampamento grego e depois de um tempo me uni à Caçada. Ártemis tem sido minha patrona desde então. - Ela finaliza, fazendo um gesto com a cabeça na direção da barraca. - Acho melhor entrarmos, estou congelando!
Eu nem notei a mudança de temperatura, mas o tempo ficou realmente mais frio. Rapunzel esfrega as mãos, tentando se aquecer. Soluço cerra o maxilar para não bater os dentes.
Todos passam para dentro e antes de entrar lanço um olhar por cima do ombro, só pra checar.
E lá está ele. O lince me espiando com seus olhos amarelos.
***
A lamparina brilha timidamente no escuro, iluminando os outros semideuses adormecidos, tão tranquilos...
"Acho que alguém perdeu uma menininha e não sabe por onde começar a procurar...", a voz de Gothel de novo na minha cabeça. Se eu tivesse um pouco mais de tempo, talvez fizesse com que a mulher soltasse uma pista sobre Anna, qualquer coisa seria melhor do que ficar completamente na escuridão. Mas pelo menos você sabe que ela está viva, uma voz rebate no fundo da minha mente. Sim, o garoto nos meus sonhos me disse. Será que eu sonharia com ele essa noite?
Mas quando me encolho dentro do saco de dormir e meus olhos finalmente pesam, não é ele quem eu vejo.
É o Acampamento Meio-Sangue, em ruínas.
Entre o Pinheiro de Thalia em chamas e os restos destruídos da Atena Partenos, eu via que tudo a baixo da colina afundou em cinzas, a fumaça densa se dissipando em direção ao céu fechado, corpos inertes no chão.
É o que vai acontecer. Olimpianos e semideuses aniquilados, a voz de Urano retumba por toda a extensão do céu, que vibra como se eu estivesse bem abaixo de suas cordas vocais. Você é uma semideusa esperta e poderosa, mas não pode me deter, nuvens de tempestade se unem formando um rosto assustador. No entanto, a destruição não precisa ser o seu destino...
- Não - concordo olhando o céu tenebroso -, mas é o seu.
A carranca nas nuvens se intensifica, brilhando ameaçadora com relâmpagos, a tempestade de raios caindo na terra.
Levanto de vez, acordando com o estrondo dos trovões nos ouvidos, como um despertador.
- Foi só um sonho - digo baixinho, me acalmando.
Respiro fundo, a luz na lamparina deve ter se apagado durante a noite, mas a luminosidade débil do começo do amanhecer entra na barraca e assim posso ver que os outros ainda dormem como pedras.
Depois de escovar os dentes, caminho para fora, virando o olhar para a lua crescente que insiste em ficar no meio do céu.
- Comida saudável e água fresca - murmuro me sentando perto de uma árvore -, mas não custava nada se a barraca também viesse com um chuveiro elétrico...
Além do lago, o castelo branco continua nos esperando no topo da montanha, nos desafiando a chegar lá. A calmaria do ambiente é a deixa para que os meus pensamentos me atormentem.
"Só temos uma a outra, Elsa", Anna havia me dito na noite que decidimos fugir de Saint Louis. Eu sorri pra ela como se tudo fosse ficar bem e respondi que "é por isso que se ficarmos juntas, podemos passar por cima do que for".
Eu queria tanto, tanto que minha irmã estivesse aqui agora, que...
Croc!
Pulo de susto, desviando os olhos para as árvores ao redor, sem ver ninguém. Fico de pé, alerta, o bracelete vibrando, implorando para ser usado.
Croc!, o mesmo estalar grave, baixo, familiar. Então me dou conta: é a beira do lago que está congelando.
Mas não sou eu quem está fazendo isso.
Tiro o bracelete do braço, o semicírculo se alongando na forma de um arco.
Ah, que maravilha, reviro os olhos. Um arco sem flechas. Mas como que por instinto, mentalizo a forma de uma seta afiada e tenciono o cordão, canalizando o formigamento congelante dos meus dedos naquela imagem, e logo me vejo apontando uma flecha de gelo.
A superfície do lago continua estalando, o ar esfria, meu coração acelera. O que é aquilo?, estreito os olhos, forçando a vista para enxergar melhor a figura que apareceu do outro lado dentre as árvores.
Encho os pulmões de ar prestes a gritar que estamos sendo atacados, mas me contenho. A silhueta sai das sombras da floresta revelando a forma de um garoto, o capuz azul escuro cobrindo o rosto, o cajado arrastando na superfície do lago que congela ao tempo que caminha na minha direção.
Pelos deuses.
É ele.
Meu coração acelera, minhas pernas tremem. Continuo encarando, paralisada, quando ele para na minha frente, a flecha no arco apontando pro seu coração. Por baixo do capuz, vejo seus lábios se esticarem num sorriso irônico.
- Maneira interessante de receber um amigo.
Abaixo o arco, desentalando as palavras do fundo da garganta:
- Quem é você?
Ele finalmente puxa o capuz para trás e por um segundo me falta o ar. Cabelos brancos como uma manhã nevada; olhos de um azul intenso brilhando travessos. Ninguém deveria ser assim tão bonito.
Ele deve ter percebido - e gostado - da minha reação porque soltou uma risada e fez uma reverência:
- Jack Frost, ao seu dispor.




Olá, semideuses! E aí, gostaram do capítulo? Eu sei que foi curtinho, mas é que daqui a pouco vou postar um extra! ;D
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Bjs.

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