Capítulo 29 - Caçadora

1.6K 201 477
                                    

Soluço*

Meu cérebro parece gelatina batida no liquidificador e derramada dentro do meu crânio. Mal consigo abrir os olhos de tão tonto. Levo meus dedos à parte de trás da cabeça que lateja, encontrando entre os cabelos empapados, o couro cabeludo quente e pegajoso. Olho para os dedos vermelhos, o cheiro de sangue é forte e nauseante, mas já estive pior. Fora isso, estou inteiro. Quer dizer, se você não contar com a perna esquerda, substituída pela prótese de bronze celestial mortal construída por Hiro.

— Ai... — O gemido feminino me faz olhar para trás e acordar de vez ao dar de cara com o rosto banhado de sangue de Rapunzel.

— Ah, santo Hefesto — liberto as pernas da sela, conseguindo me virar direito para ajudar a semideusa semiconsciente.

Seguro o rosto dela entre as mãos, examinando, e embora não seja nenhum filho de Apolo, sei que o corte na sobrancelha vai precisar de alguns pontos.

— Zel — chamo —, não durma, aguenta firme aí.

— Eu estou ótima — ela tenta abrir um sorriso, desorientada, piscando forte. — Você que é meio cabeça-dura, Soluço.

Rapunzel e eu demos uma cabeçada um no outro, o que resultou num corte profundo na sobrancelha da semideusa e outro na parte de trás da minha cabeça graças ao nosso pouso forçado.

Pouso forçado, lembro com urgência.

— Banguela! — Pulo para o chão de forma nada elegante, me desequilibrando e contornando o corpo caído do dragão. — Ei, amigão, Banguela... Banguela... Vamos, acorda!

Passo a vista ao redor e finalmente me dou conta do rastro de destruição que deixamos ao cair: árvores quebradas, pequenos focos de incêndio, fumaça... Banguela deve ter tentado tirar os obstáculos da frente para que nossa queda não fosse mortal, o dragão até sofreu todo o impacto do pouso de emergência. Ele salvou nossas vidas.

Viro minha atenção novamente para ele e um bolo na garganta ameaça me sufocar, o desespero acelera o pulso.

— Vamos lá, amigão — meus olhos começam a arder —, temos que fritar muitos monstros ainda.

— Drrrrr! — O Fúria da Noite resmunga baixinho, soltando uma baforada pelas narinas.

— Graças aos deuses — solto a respiração pesada, aliviado, abraçando a cabeça do dragão.

— Soluço — Rapunzel me chama —, onde estamos?

— Não tenho ideia.

Ela se desprende da sela, mais caindo que pulando para o chão, mancando até mim.

— Eu posso curar vocês doi...

— Nem pensar — interrompo. — Você vai morrer.

— Mas eu...

— Nada disso — eu a coloco sentada numa pedra. — Fica aqui enquanto eu penso no que a gente vai fazer.

— Acho que você também precisa de um tempo. — A voz não pertence nem a mim, nem a Rapunzel.

— Tadashi — os olhos verdes e grandes da filha de Afrodite brilham, um pouco mais aliviados ao ver o amigo vivo.

Logo atrás dele o lagarto cinzento aparece dentre as árvores.

Soluço!, Fumaça cumprimenta, fazendo carinho na lateral do meu corpo com a cabeça. Você não teria um iaque assado no seu bolso, né?

— Foi mal — esvazio os bolsos. — Sem iaque assado por aqui.

— Vocês estão bem? — Tadashi coloca o boné chamuscado na cabeça, o rosto sujo de fuligem e arranhado.

Solstício de InvernoOnde histórias criam vida. Descubra agora