Capítulo 54 (Parte I) - Os Ventos de Outono

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Soluço*

Alguns minutos atrás.

Os gritos ao redor são todos iguais.

Assim que pulo das costas de Banguela para o chão, não perco tempo em alcançar Luminífera – a espada que ganhei do deus Hefesto –, com seu cabo em forma de cabeça de dragão, preso na minha cintura. Meu polegar ativa o dispositivo que acende as chamas vermelho-alaranjado da lâmina, o fogo irrompe num sabre de luz selvagem.

O Fúria da Noite rosna, arreganhando os lábios e exibindo os dentes afiados para as criaturas grotescas que avançam para confronto. Não muito distante de mim, Elsa e o dragão da neve são um terror invernal, atirando agulhas de gelo que trespassam os inimigos.

Nunca fui do tipo lutador, mas aqui, no campo de batalha, sou guiado por um instinto que me transforma no guerreiro voraz que jamais pensei que pudesse ser – o que não quer dizer que um calafrio não tenha sacudido meu corpo ao ouvir o grito monstruoso da Hidra.

— Aquela coisa deve tá dando problema pra alguém — digo a Banguela, baixando a cabeça e desviando do bastão de um blemmyae. — Acho que devemos...

"Não", o Fúria da Noite interrompe, contrapondo na minha cabeça. "Sua missão é na fortaleza de Éolo, Soluço. Enquanto não acabarmos com Urano, esses monstros não vão ser derrotados".

Ergo a cabeça, na direção da ilha flutuante. Ela é imensa, colossal. Faz meu coração acelerar de expectativa.

— Certo. Vamos acabar logo com isso, amigão.

— Bom dia! Vou matar voc... — O blemmyae se interrompe quando o faço estourar em pó com Luminífera.

A boca aberta de Banguela se ilumina, num brilho misto de azul e violeta, antes de cuspir o jato de raio quente, que explode os monstros e abre um buraco na formação inimiga, que vai servir de pista de voo.

"Rápido!", apressa.

Não perco tempo em pular para a sela, segurando firme quando o dragão corre como o vento, esticando e batendo as asas negras lustrosas. Logo em seguida estamos voando.

O vento é uma ferocidade bem-vinda no meu rosto, bagunçando meu cabelo castanho para trás. Os combatentes lá em baixo vão ficando menores até o tamanho de formigas, se remexendo num burburinho mortal por cima do mar de cinzas. Posso ver Percy Jackson avançando com a legião romana pelo sul, cercando o exército de Urano. Posso ver a chuva prateada de flechas que se segue quando as Caçadoras de Ártemis entram em ação, eliminando os obstáculos do céu.

Me flagro procurando por Merida, mesmo sabendo que ela não tá aqui.

Sacudo a cabeça, afastando os pensamentos. Banguela faz uma volta em semicírculo pela ilha, me fazendo vislumbrar dois dos quatro Jardins que cercam o castelo de Éolo, antes de finalmente avistarmos a dança avermelhada que as folhas das árvores do Jardim de Outono fazem ao vento da manhã.

Tem algo nessa ilha, uma coisa que se conecta comigo, faz um formigamento no meu corpo; me deixa mais forte.

"Passageiros, apertem os cintos", Banguela brinca. "Vamos pousar".

O dragão não perde tempo, e com um solavanco pousamos na ilha flutuante. As folhas secas são um tapete crocante estalando aos passos do Fúria da Noite que me leva para dentro da floresta outonal, onde os ventos são mais fortes e as folhas parecem cair eternamente, sem nunca se esgotar. A essa distância, sei que tá acontecendo uma batalha só porquê há pouco estive nela. Tudo está silencioso, o único ruído é o sopro das aurae, as ninfas do vento, agora invisíveis aos olhos.

Solstício de InvernoOnde histórias criam vida. Descubra agora