Solstício de Inverno

Capítulo 10 - Plano de Guerra

Eu continuo encarando, sem ar. É como esses truques de mágica que a gente vê na televisão e fica de boca aberta, sentindo uma espécie de ceticismo maravilhado. Passo os olhos pelo garoto – dos pés descalços até o último fio do cabelo desalinhado –, sem acreditar que ele está aqui, mais nítido que em qualquer sonho que já tive com ele.
— M-mas... — Gaguejo como uma idiota. — Eu sonhei com você praticamente a minha vida toda...
— Eu sei, as garotas costumam me dizer isso — ele pisca um olho.
— Não brinque comigo! O que você é, um semideus maluco ou...?
— Bem — Jack coça atrás da cabeça, ponderando —, eu nasci mortal, só que aí eu morri e voltei como um espírito do inverno, eu acho... Não importa, pergunte pra sua mãe depois. A propósito, estou aqui graças a ela.
— Quione te mandou aqui?
Jack assente com a cabeça.
— Por quê?
— Ela acha que você precisa ser protegida — ele apoia o cajado no ombro —, então aqui estou eu.
Solto uma risada sem humor.
— Agradeço a preocupação, mas não preciso de uma babá. Além do mais, quando eu mais precisei de ajuda ela não estava lá. Eu tive que me virar sozinha. Eu sempre me virei sozinha.
Ele revira os olhos, como se eu fosse uma pirralha fazendo birra.
— Primeiro: eu não sou uma babá, sou um Guardião. Mais precisamente agora, o seu Guardião. Depois, eu sei que você se acha “A Rainha Suprema do EU-NÃO-PRECISO-DE-NINGUÉM”, mas tenho que concordar com Quione numa coisa — ele aponta com o cajado na direção do castelo — sem mim, vocês não duram três segundos contra aqueles caras.
Dou um sorrisinho maldoso:
— E o que você vai fazer, bater com essa bengala velha na cabeça deles? Uau, assustador.
— Ha ha, engraçadinha. Você se acha super esperta, mas fique sabendo que foram seguidos por todo o caminho e nem perceberam. Os inimigos já conhecem seus pontos fortes e, principalmente, suas fraquezas.
— Nós não fomos seguidos, tá legal? Tomamos muito cuidado.
— Ah, é? E o lince na floresta? Elsa, eu poderia ter te matado umas cinquenta vezes só no minuto em que estamos conversando.
— E eu também — uma terceira voz se pronuncia atrás de mim. Merida aponta uma flecha na direção de Jack e eu não faço ideia de como a Caçadora foi parar atrás daquele pinheiro. — Não ouse dar mais um passo.
— O que tá rolando? — Soluço aparece na entrada da barraca. — Quem é esse?
— É o idiota que vai levar uma flechada se fizer um movimento errado — Merida responde sem tirar os olhos do forasteiro.
— Ei, ei, espere! — Me coloco entre o arco de Merida e o peito do Guardião. — Abaixe o arco, eu confio nele, Jack está aqui pra ajudar, vai nos fazer entrar lá. — Aponto o castelo nas montanhas.
Merida estreita os olhos para o rapaz, mas abaixa a flecha para o chão:
— Soluço, acorde os outros.
Em dois tempos, um Hiro sonolento aparece, Rapunzel bem atrás dele com seus cabelos impecáveis, mesmo tendo acordado há pouco.
Merida põe as mãos nos quadris:
— Vai, desembucha.
Jack caminha pro meio da gente, revirando os olhos como se estivesse pensando “mas que garota chata!”, e então começa a desenhar um mapa no chão com a ponta do cajado.
— Esse castelo foi construído durante a guerra contra Gaia, mas foi tomado por monstros à serviço de Urano no final do conflito. A gente tem que conseguir entrar na sala do trono, a Foice tá lá dentro. O grande problema é que... estou sentindo uma energia diferente, mais forte que todos aqueles monstros...
Soluço cruza os braços:
— Do que você tá falando?
— Estou falando que tem uma deusa vigiando a Foice.
O ar escapa dos nossos pulmões.
— Você quer dizer que além de lutar contra os monstros também vamos ter que lutar contra uma deusa pra conseguir pegar a Foice? — Arregalo os olhos, incrédula.
— Não. Na verdade, eu quero dizer que além de encher aqueles feios de porrada, a gente vai ter que encarar duas deusas pra pegar a Foice — ele corrige. — Estou sentindo a energia de duas divindades menores.
— Fala sério! — Hiro reclama. — Tem como piorar?
— Sim, pra falar a verdade, tem — Jack faz risquinhos com forma de V na terra, como pássaros. — Estão vendo aquelas coisas sobrevoando a região? São dragões, vão fritar tudo que se aproxime do portão, que por acaso é vigiado por um exército de monstros. Sem mencionar que vocês foram espionados, o elemento surpresa já era. E temos que agir rápido, eu descobri que a Foice não passa mais de uma semana no mesmo lugar e...
— Me deixa adivinhar — Soluço interrompe. — Chegamos tarde demais, não é? Vão mudar a Foice de lugar a qualquer minuto.
— Isso mesmo.
— Certo — eu digo —, essa é a hora que você sugere um plano brilhante.
— É muito simples. Dois de nós entram e pegam a Foice. E aí a gente corre.
— O quê? — Merida ergue a sobrancelha. — Tá falando sério?
— Você acabou de dizer que os dragões vão fritar a gente antes mesmo de chegarmos ao portão, sem falar do exército na entrada... — Rapunzel põe uma madeixa dourada atrás da orelha e juro por Zeus que ela está derretendo enquanto olha de um jeito meio bobo para o Guardião.
Bem, não posso culpá-la. Pelos deuses, Jack Frost é lindo, lindo de tirar o fôlego, desafiando a gente a olhar naqueles lábios enquanto ele fala e não ser tentado a querer beij... No que diabos eu estou pensando!?, sacudo a cabeça, mas que pensamentozinho sem noção!
— Ok — Jack interrompe meus devaneios —, vou explicar melhor.