Capítulo 30 - Armadilha

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Rapunzel*

Sabe, eu me orgulho de ser filha de Afrodite, mas tenho que admitir: ás vezes, é deprimente saber exatamente o que alguém está sentindo apenas pelas expressões faciais. Depois de finalmente ter acabado a cirurgia no dragão, me permiti ficar encolhida, ouvindo o estalar baixo e melancólico da fogueira enquanto mastigo biscoitinhos sem vontade, reparando nos traços tensos que marcam o rosto dos garotos à minha frente.

Tadashi e Soluço não dizem uma palavra, mas eles não podiam estar gritando mais alto. Ainda que o foco dos pensamentos de Tadashi seja o irmão caçula, eu leio, pelos seus lábios retorcidos, uma raiva fustigante como as forjas do chalé de Hefesto.

E quanto a Soluço...

Sinto a espetada amarga no peito que definitivamente acaba com o meu apetite. Não aguento os olhos foscos e perdidos de Soluço que denunciam a desesperança de alguém que está de luto.

- Eu vou dar uma volta - me levanto de vez, ávida para escapar dali.

- Quer que eu vá com você? - Tadashi se prontifica.

Dou dois tapinhas na frigideira presa no meu cinto:

- Não precisa.

Sou rápida em escapulir para as árvores. Geralmente gosto de companhia, mas sei que deixar cada um de nós sozinhos com os próprios pensamentos é a melhor alternativa agora.

Paro de andar quando me vejo sozinha, erguendo o queixo para sentir nas bochechas o vento gélido do cair da noite. Penso em Jack e a conversa que tive com Tadashi me atinge como um tiro no peito. Ele e Elsa, Jack e eu.

- Você sempre complica as coisas, mãe - murmuro baixinho para Afrodite e, repentinamente, deixo as emoções que eu nem percebia que estava reprimindo fluirem pelas veias, tranbordando pela minha voz que fica uma nota mais alta. - Por que você não me deu preferência?! Pelos deuses, eu sou a sua filha! E Tadashi, sei que ele seria bom para Elsa... Brincar desse jeito com os sentimentos das pessoas é errado.

Crask!

Viro a cabeça de vez para trás ao ouvir o estalar de um graveto se partindo.

- Soluço? - Estico o pescoço, alarmada. - Tadashi?

Silêncio absoluto.

A brisa de outono que provoca uma chuva vagarosa de folhas secas, corre pelos meus cabelos e estreito os olhos para além das sombras fantasmagóricas das árvores sob a meia-luz do crepúsculo. Minhas mãos suam, o pulso acelera; sinto as veias injetadas de adrenalina. Assumo posição de combate e assim que desembainho a frigideira, aguçando os sentidos, mal tenho tempo de ouvir o rasgar do vento pelo vulto que capto com a esquina dos olhos, atingindo meus dedos que se soltam da frigideira que voa longe.

- Au! - Reclamo puxando minha mão machucada, seguindo com os olhos para o chicote na mão da menina que me atacou.

- Boa mira, Úrsula - uma garota de cabelos vermelho-cereja aparece por trás de mim, me encarando com um par de grandes olhos azuis enquanto aponta o tridente de ouro imperial na direção do meu rosto, ameaçando. - E você nem pense em se mexer, a não ser que queira esses caras mortos.

Viro o rosto para o lado dando de cara com a figura de Tadashi e Soluço, amordaçados, tentando se livrar das cordas.

- Aurora conseguiu domar as feras - um rapaz chega anunciando -, Bella e eu checamos o perímetro, esses três são os únicos semideuses aqui.

A garota ruiva assente uma vez com a cabeça, andando até mim em seguida:

- Onde está o resto do seu grupo? Com quem está a Foice?

Solstício de InvernoOnde histórias criam vida. Descubra agora