Capítulo 14 - A Língua dos Dragões

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Soluço
Muitos minutos atrás.

Acontece em super câmera lenta.

Hiro há uma distância de quase trinta metros de mim, na frente do réptil albino que enche os pulmões de ar e abre a boca enorme. Arregalo os olhos, meu pulso dispara e se codifica numa mensagem de alerta que libera um rompante de adrenalina que me impulsiona pra frente numa velocidade incrível.

É como se eu voasse.

Bato em Hiro como um trem, jogando o garoto pro outro lado do descampado e salvando sua pele de um milhão de agulhas de gelo que se fincam no chão.

- Ai... - Resmungo massageando o ombro, a respiração ofegante.

- Eu tô vivo?! - O garoto tateia o próprio corpo estirado no chão. - Ou nós dois morremos? Espera, como chegou aqui tão rápido? Você tava tipo, lá do outro lado! E com...

Ele se interrompe, arregalando os olhos para os três dragões que nos cercaram, todo o gás de euforia que ele sentiu por estar vivo se esvai.

- Aí, Soluço, já que a gente vai morrer - Hiro não tira os olhos dos dragões, o rosto suando frio -, o que você mais ia querer agora?

- Mas o quê...? - Começo, mas as palavras engatam na boca quando percebo que a pergunta de Hiro desperta a visão nítida de cachos ruivos indomáveis na minha mente, o cheiro de maçã da pele dela, aquela risada.

Eu quero..., confuso, faço uma careta por dentro do elmo. Eu quero... Merida?

Mas os três dragões se aproximando interrompem meus pensamentos e, talvez por loucura e desespero, me levanto, ficando na frente de Hiro e erguendo os braços:

- Ok, ok, vocês venceram, tá legal?! - Tiro o elmo da cabeça, jogando no chão. - A gente se rende.

As três cabeças escamosas se inclinam na minha direção e, não pergunte como, sinto o humor dos dragões mudar - de fúria à desconfiança.

- O quê? Não acreditam em mim? Observem. - Devagar, tiro a adaga reserva do cinto e arremesso para o meio do descampado.

- Cara, o quê que você tá fazendo? - Um Hiro em pânico repreende em tom baixo.

- Deu certo uma vez com o Banguela, então se colar, colou. - respondo e ergo as mãos bem a cima da cabeça, me dirigindo aos dragões: - Olha, a gente não quis fazer essa bagunça toda, sabe?

O vermelho vivaz me encara como se dissesse "até parece!".

- Ei, é sério! Tem um cara mau que vai destruir todo mundo se a gente não pegar uma coisa que tá lá dentro.

"Foice".

Engulo seco. Foi como se o Alfa falasse na minha mente, como às vezes parece que o Banguela faz. Bom, ou talvez eu seja só doido mesmo.

- É, a Foice - confirmo por fim. - E agora a gente precisa ajudar nossas amigas...

O Cinzento solta um ronco animado do fundo da garganta que soa como "ele entende!".

- Ele é o Hiro - digo assim que os dragões começam a se questionar -, e eu sou o Soluço.

"Soluço?!", o Vermelho solta um granido irônico parecido com uma risada - pelo martelo de Hefesto, meu nome é ridículo até pros dragões!

- Cara, não fui eu quem escolheu esse nome, tá legal?

O Alfa se aproxima, curioso, sentindo meu cheiro e soltando uma baforada congelante na minha cara. "Quem é o seu parente divino, semideus?".

Solstício de InvernoOnde histórias criam vida. Descubra agora