Sangria

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HERMIONE


Naquela noite, mais uma vez naquele ano, foi atormentada por um verdadeiro pesadelo.


Estava correndo, sem rumo, na escuridão, fugindo de algo disforme e indefinido.

De repente, meu corpo afundou em algo líquido, como se eu tivesse caído numa piscina.

Porém, quando me ergui, percebi que não era água.

E que meu corpo inteiro estava empapado de algo viscoso e rubro.

Era um rio de sangue.

Olhei ao redor, e percebi vários corpos que boiavam por perto, inertes e sem vida.

Tateando atordoadamente, me aproximei de um dos cadáveres próximos.

Mal pude gritar quando reconheci os cabelos ruivos e ensangüentados.

Uma dor rascante me envolveu, enquanto algo se atou em minhas pernas, me puxando para o fundo das ondas de sangue.

O rio me engoliu num turbilhão escarlate. Minha visão foi tomada pelo vermelho. Senti minha boca se inundar com o gosto de sal e ferrugem.

Porém, senti algo me guinchar de volta para a superfície. Algo translúcido, que cortou o mar de sangue e me puxou para fora.

De volta para terra seca, me levantei, tossindo e estremecendo, meus olhos arregalados de terror.

Sentia a tênue linha que me separava da consciência, e desejava ter morrido logo dentro daquela lagoa horrenda, para acordar de uma vez daquele pesadelo macabro.

Mas quando ergui o olhar, percebi o que havia me tirado do rio.

Esqueci até onde estava quando guinchei, surpresa.

Ele adentrara em meu sonho.

- Tio Harold! – sacudi os braços, tentando secar o sangue que ainda escorria em minha pele.

Harold sorriu de um jeito triste, segurando minha mão.

Em minha forma inconsciente, podia sentir, levemente. seu aperto carinhoso.

- Está tão perturbada, Lontrinha – ele olhou em direção ao rio vermelho – nunca esperava que fosse ter um pesadelo assim...

- O que é isso? – choraminguei, aflita, olhando outra vez para os corpos no rio.

- Não sou bom em deduzir sonhos... – ele comentou – mas está claro que você se sente ameaçada... e teme pela vida das pessoas que ama.

Sentei em uma das pedras negras que circulavam o pântano sanguinolento, abraçando meus joelhos.

- Parece que sim – funguei, me recusando a olhar outra vez para as águas rubras adiante.

Harold se ajoelhou ao meu lado, me observando, e pôs a mão em meu ombro.

– Me conte o que aconteceu desde a última vez que nos encontramos...

Suspirei, e, aproveitando que a presença de meu tio prolongava minha permanência na inconsciência, contei a ele tudo que ocorrera desde minha nomeação como Juíza. Os julgamentos, o estágio de Rony, o assassinato de Xenofílio, os rumores e ameaças que nos rondavam, o incêndio da London Eye... a profecia de Calíope... e Becky.

A Esfera da Herança (A Saga da Lontra) - Temporada IVOnde histórias criam vida. Descubra agora