Crônica de ódio

68 10 7
                                        

  Sentei em frente ao computador e comecei a trabalhar tentando ignorar o que os outros ali presentes falavam. Mas fracassei, em parte por causa da conversa alto.

Eles falavam com horror sobre mais um atentado, cotavam manchetes e boatos. Absurdos.

Era comum eu acabar ouvindo um trecho ou outro, de uma conversa fútil falada com muita propriedade. Aquilo nunca me incomodou tanto quanto naquele dia.

Aquelas teorias e conspirações que não faziam o menor sentido, os tons preocupados e as milhares de vezes que respirei fundo tentando aquela babaquice de contar até dez.

Mas enquanto eu estava sentado de frente para aquela tela e eles não percebiam minha presença, poderia manter-me calado.

Não se resolve conflitos internos criando conflitos externos, mas as vezes é tentador. Ainda mais quando não se tem muito a perder; ser mais um imbecil trabalhando como um escravo, ganhando migalhas de um babaca que também é escravo de outro babaca...

E pensar que houve uma época em que pensei que as coisas iriam melhorar, que conseguiria realizar todos aqueles tolos sonhos, que acabaria feliz como uma daquelas pessoas dos comerciais. Mas não, a vida vomita realidade na minha cara todas as manhãs, nas quais levanto sentindo o quão fétido é o meu cubículo denominado apartamento.

E tudo parece feder; as flores que as crianças vendem no sinal, os perfumes das mulheres exageradamente enfeitadas, os mendigos em decomposição pelos cantos, os cães com suas enormes feridas expostas... Já nem sabia se eram cães, alguma anomalia ou uma criança que descobriu a melhor forma de conseguir comida nas ruas. Mas isso não importa.

Eu só queria poder ter meu dinheiro e meu tempo de volta, queria minha maldita vida de volta, minha liberdade; se é que eu já a tive...  

BluebirdOnde histórias criam vida. Descubra agora