CAPÍTULO 28 - O SOM DA HARMONIA

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NUNCA DESEJE ALGO À ESCURIDÃO, ELA REFLETIRÁ SEU DESEJO DE VOLTA. Seu desejo tem a força de derrubar montanhas, quebrar diamantes, mudar o curso de rios. A cada qual com o fruto de seus desejos. Fonte inesgotável de criatividade é no desejo que a realidade é projetada para depois ser realizada, isso se o desejo não for apagado por uma mente fraca.

Ajanni se roía pensando e repensando numa forma de acabar com todas as esposas de Ogum e especialmente Oyá, a nova "preferida" dele. Como ela lhe irritava, toda imponente, com aquela cara enjoada e impávida. Suas "amigas" queriam destruir a nova Rainha imediatamente, mas ela fora contra desde o primeiro momento, seus argumentos foram tão incisivos que as outras se convenceram. Não deveriam usar a pele de búfalo de uma vez, como elas queriam e sim usá-la para desestruturar o casal. Fariam Oyá repudiar Ogum, pois ele lhe prometera de nunca trair sua confiança e quebrar a promessa que fizera à ela. Saborear a desarmonia deles seria prazeroso. No meio disso, pensaria em formas de se livrar de suas outras rivais. O tempo não cicatriza nada, apenas aviva o cotoco exangue fazendo-o apodrecer.

Gostava de dormir no quarto de Ogum, ele era seu marido de direito,e sua primeira esposa constituída, para isso enganava as outras esposas fingindo dormir no quarto comum a todas e quando elas dormiam a sono solto, saia sorrateiramente lançando-se na cama dele, dormia abraçada as cobertas feliz e saia antes do dia começar a raiar para que as outras não desconfiassem.

Nos aposentos do Rei ficava relembrando as noites que compartilhara com seu marido e seu recalque e inveja cresciam cada vez mais. Sua mágoa avolumava-se transbordando seu peito, seu sono era entrecortado com sobressaltos que a afetavam profundamente revertendo-se em olheiras, cansaço e irritação. Desde que entendera o papel de uma mulher como esposa de um rei, ela passara incólume pela falsidade que dedicava aos outros sem que os mesmos percebessem.

Numa dessas noites em que o sono agitava-a com imagens violentas e suores frios lhe tomavam o corpo, uma coruja gigante e escura como a noite materializou-se no quarto, saindo das sombras mal iluminadas pela Lua, planando sobre o corpo de Ajanni, ambas as suas asas não se moviam, estavam abertas como se voasse em céu aberto. Quando ela gritou, a mulher acordou assustada. Tentou levantar-se, gritar, seu coração batendo apressado diante daquele pássaro enorme, mas estava estranhamente imóvel, muda, como se uma paralisia estivesse lhe tomando seu ser inteiro. O medo se refletia em seus olhos esbugalhados. A ave de rapina descia lentamente quase encostando nela. Os rostos de ambas quase se encostaram e o silêncio saiu do bico da coruja, seus olhos refletiam o rosto em pânico da mulher que sentiu-se voando no corpo da ave. Seus braços eram asas, suas pernas estavam fortes e os pés se abriram em garras afiadas, seus olhos e ouvidos eram atentos e escutavam e viam os humores da noite.

- Filha minha, alma de minhas entranhas, sou teu destino, renasça comigo e terás o que deseja. Repete: Aceito!

Ajanni não entendia como uma ave podia falar e ela não conseguia falar, sons desconexos saiam de sua boca, como se delirasse.

- Sou todas as mulheres, ninguém nasce se não tiver minha sentença. Curve-se diante de mim que todos se curvaram diante de ti. Repete: Aceito!

- Sou a inteligência da terra, sem mim não há continuidade. Não existiria humanidade sem mim. Ajoelhe-se perante mim e me adore e todos a adorarão. Repete: Aceito!

Ajanni subjugada pela voz suave e forte de Iyá Mi a aceitou seu poder.

- SIM! Eu aceito-a!

A coruja desceu sobre seu peito cravando suas garras na pele aveludada e macia, desceu seu bico afiado rasgando-a, abrindo seu peito, se deliciando com os nacos da carne rosa e ensanguentada, quando seu coração apareceu pulsando vivo e robusto ela o comeu cortando-o em pedaços, quando terminou sua refeição, a mulher estava aterrada, oca, mas não sentia dor. Acomodando-se como se o buraco em seu peito fosse num ninho, quedou-se no corpo da mulher, acomodando-se até sumir por completo. Ajanni desmaiou e não viu seus tecidos se reconstituírem entrando em simbiose com o pássaro.

Orun - Aiyé: Guerra Santa #Wattys2016 (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora