CAPÍTULO 13 - O GUARDIÃO DO CENTRO DO MUNDO

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EXU CORREU MAIS RÁPIDO DO QUE COSTUMAVA FAZER, vibrou tanto entre os planos da existência, sem passado, presente ou futuro, que seu "borrão" preto e vermelho travou quando chegou próximo a Ilê-Ifé, considerada por todos como o centro do começo do mundo e onde seu Mestre estava no momento, tentando esquecer o que vira a pouco na floresta, a reunião trágica das Iyá Mi fora aterradora e o que ouvira delas acendeu o seu sinal de alerta de que algo descomunal iria acontecer. Seus olhos percorriam todos os caminhos possíveis e sua agilidade o levava a contornar os obstáculos e os problemas. Precisava chegar ao seu destino e a capital do mundo de então passou indistinta, como fumaça e efeitos de luz.

Era um gigante de quase 2,20m de altura, forte, seu corpo era marcado por cortes e pinturas arcanas que o designavam como Guardião do Axé (força vital), era ele que a transportava entre os planos da existência indistintamente para bons e maus, desde que fosse agradado primeiro sempre, arranjo que prevalecia desde o começo da vida. Sua cabeça era trançada em torno de uma carapaça, uma espécie de casco pontudo de um metal avermelhado no centro de sua cabeça, que servia para cortar a matéria densa que separava as dimensões, ao qual estava tão habituado. Das pontas de suas pequenas tranças caiam okotôs brancos (conchas), possuía um peito forte e braços rígidos, trabalhado ao longo das eras e de seu trabalho, um saiote de franjas que era guardado por um cinto feito de couro e pequenas cabaças coloridas de onde utilizava objetos e pós diversos com os quais lançava feitiços. Trazia em sua mão direita um porrete de um metro, chamado Ogó, usado como arma, com o qual quebrava dimensões, espalhando a força vital do axé pelo Cosmos e entre o Orun (dimensão espiritual) e o Aiyê (Terra).

Ele era o responsável pela comunicação entre Olodumarê, os Irummolés e os Orixás no plano espiritual com os seres humanos, bem como transporta os pedidos e oferendas feitas no Aiyê ao Orun, para os orixás e Olodumarê, o Criador, redistribuindo e redirecionando suas forças, sempre sendo agradado primeiro, pois era dono de um apetite voraz e de um senso de justiça peculiar. Era imparcial, sendo amoral. Por isso que tentava tirar vantagem em tudo que podia, ele era assim.

Orunmilá era seu Mestre e amigo pessoal no Aiyê. O Babalawô mais sábio do Aiyê tinha grande ascendência sobre a nobreza de Ilê-Ifé e em várias outras cidades e aldeias, viajava sempre por lugares distantes atendendo a todos. Ele desenvolvera o sistema divinatório perfeito: o Ifá. Constituía-se de uma corda onde eram amarrados caroços de dendê e eram lançados numa tábua coberta de Ofún (pó branco de caulin), onde dependendo das caídas eram desenhadas pelo dedo a sequência numérica dos Odús (signos do destino) e recitadas os Itans (lendas) as quais possuíam a chave para os problemas propostos pelos seus clientes, bem como as oferendas que deveriam ser ofertadas aos deuses para a resolução dos mesmos.

Exu como Bará (Guardião), Lonan (Dono dos Caminhos) e Elebô (Carregador das oferendas) era quem auxiliava o ancião em suas tarefas, pois Orunmilá confiava cegamente no seu protegido, mesmo sabendo de seu temperamento e caráter peculiar, sempre reservando uma parte de tudo que era então ofertado a ele, até hoje eles eram inseparáveis e convinha a Orunmilá que tudo continuasse assim.

Passando pelos portões da cidade onde seu amigo estava morando no momento, ele desacelerou e resolveu passar antes no mercado para comer, pois a energia e o susto que ele sentiu gastaram muitas das suas reservas de energia e comer seria uma coisa boa a se fazer. Sorriu pensando nas guloseimas que encontraria.

Ao chegar ao mercado, ele dirigiu-se a barraca onde vendiam amalá (pirão de inhame) e beguiri (ensopado de quiabos com carnes e temperos fortes), além de farofa de dendê apimentada, uma de suas comidas mais apreciadas. A pasta de quiabos apimentada, com azeite de dendê e com carnes variadas, servida numa folha grande com uma generosa porção da massa quase translúcida de inhame batida à exaustão estava com um cheiro tão bom e um gosto tão saboroso que ele repetiu três vezes, a vendedora sorriu diante do apetite tão famoso de seu cliente. Após terminar de comer ele bebeu água fresca, pagou e se dirigiu a casa de Orunmilá, que ficava num quarteirão do lado leste do palácio do Obálufé (Rei) de Ilê-Ifê, o qual visitava.

A casa em questão era digna de um homem próspero, grande e espaçosa, tinha espaço para Orunmilá receber seus clientes, quartos para sua esposa e filha, além de escravos. Ele possuía um cavalo e podia se locomover para atender seus chamados em outros lugares. O Babalawô tinha acento no Conselho do Rei junto com seus Ministros, era dele que pertencia os destinos espirituais de todos. Todos recorriam a ele para dirimir dúvidas e solucionar problemas.

Exu passou pelo alpendre e entrou na casa, seu Mestre estava dando as ordens do dia a um escravo, um homem mais velho e que fazia os serviços rotineiros da casa, bem como cuidava da pequena plantação de hortaliças e cuidava dos animais. Sua esposa Apetebí dava ordens à cozinheira e a ajudava na preparação do jantar. Exu sentiu o cheiro gostoso da mistura dos temperos e sentiu fome novamente, mas resolveu falar com Orunmilá logo pois foi para ter notícias do sumiço de seu escravo que ele tinha pedido para ele trazer.

O Babalawô terminou de falar com seu escravo, que saiu indo para a parte de trás da residência e se virou para Exu que levou a mão direita ao solo e a levou a sua cabeça saudando o velho, em seguida pegou a mão dele e a beijou em respeito, Orunmilá sorriu retribuindo o gesto e o abraçou. Sem delongas, Exu deslanchou a falar rápido:

- Babá. Demorei mais do que devia e as notícias que lhe trago não são boas. O senhor tinha razão ao supor que o seu escravo, o Osó foi raptado, mas a surpresa é por quem Mestre: as Iyá Mi estão de volta e as vi matarem o escravo em desafio ao senhor!

Orunmilá escutou tudo em silêncio e assentiu, esperou que Exu lhe dissesse mais alguma coisa mais o seu protegido ficou calado. Como os anos imemoriais que carregava nas costas sua experiência lhe dizia que faltava algo na história e então Exu despejou o restante, que o afligia de uma vez: - Foi horrível Babá! Nunca tinha visto as Feiticeiras em ação e os pássaros que elas se transformam destroçaram o corpo do pobre coitado, que os Orixás tenham pena dele e lhe encaminhem a outra vida.

O Adivinho ouviu preocupado, pois seu amigo ao mostrar seu medo, vibrou, se tornando uma sombra negra e com raios vermelhos que tremia, parte do dom que o fazia ser tão singular e ir e vir do Aiyê (Terra) para o Orun (Mundo espiritual) com facilidade, como poucos podiam fazer e tinham acesso. Exu era primordial para seu trabalho como Babalawô e ele o tinha como um filho, sua esposa o temia um pouco, devido aos seus modos, tamanho e apetite, mas ele sempre lhe acalmava, pois Exu tinha lhe jurado fidelidade e trabalhava de bom grado para ele.

Orunmilá agradeceu as notícias e disse que Exu podia banhar-se e descansar, que o jantar seria servido no horário de sempre. Ficou olhando o gigante sair e então foi até o quarto onde tinha seu altar. Ao entrar no local ele se dirigiu ao fetiche dos Odús (Signos do Destino) e se deitou aos pés deles. Pediu sabedoria, pois a volta de um mal tão antigo significava uma declaração de intenções ou antes de guerra e ele temeu não estar a altura desse desafio, estava velho, acomodado, vivia confortavelmente, tinha constituído família, tinha uma filha que amava muito e sentia que ela tinha desenvolvido os pendores que ele possuía para a magia. Oxum estaria voltando de uma temporada de poucos meses em Osogbô, a mando dele e tinha conseguido realizar suas atribuições com louvor, as notícias já chegaram até ele, que ficara orgulhoso dela.

Ele se deixou demorar um pouco mais pensando naquele local e então sua esposa o chamou, pois iria servir o jantar. Orunmilá levantou-se seguindo sua mulher de bom grado. Dirigiu-se a parte de trás onde lavou-se, pôs uma roupa branca limpa e no local onde as refeições eram servidas sentou-se primeiro, sendo seguido por Exu e por sua mulher. Fizeram o agradecimento pelo alimento e enfim comeram.

Exu como sempre repetiu três vezes seu prato intimidando sua esposa com aquele apetite grosseiro, ela nem se atrevia a reclamar mais com ele, mas seu semblante mostrava seu desagrado. O Babalawô riu internamente e observou demoradamente e detalhadamente sua casa, sua linda esposa vestida com um axó (roupa) azul com flores brancas, seu jeito comedido, sempre lhe ajudando, auxiliando em seus trabalhos e oferendas. Olhou seu amigo gigante brincalhão, comendo satisfeito. Guardou tudo em sua memória, lembrou-se de sua filha Oxum, a jovem negra, dona de uma beleza sem par, que conseguia tudo com seu jeito meigo e coquete e por fim sorriu.

O que vinha se revelaria uma prova das mais difíceis, pois onde existia as garras de Iyá Mi, a calamidade se avizinhava. O pensamento disso tomou-o com o medo característico de um futuro incerto.

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Orun - Aiyé: Guerra Santa #Wattys2016 (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora