CAPÍTULO 65 - MÃE DE TODOS E DE TUDO

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NO ORUN

Com os Irunmolés masculinos presos, as mulheres discutiam o que fazer para mudar as realidades. As opiniões divergiam e a reunião estava com os ânimos exaltados. Os sons das vozes exaltadas chegavam como uma cacofonia até os limites da aldeia de Obatalá. Entre as árvores, Oxóssi esgueirava-se devagar, seguido de perto pelo pequeno Sigidi, o dono dos pesadelos, recoberto por gravetos e ossos de diversos tamanhos entrelaçados usado como vestimenta, pendurado como colar, miçangas negras e um crânio.

Oxóssi não entendia o porque Obatalá o mandara para tão longe e em tão estranha e soturna companhia, mas não discutira, apenas seguiu em sua missão e quase quatro dias depois retornava com a caça pedida: uma única codorna albina.

Antes de chegarem próximo, Sigidi parou e pela primeira vez abriu sua boca de dentes grandes e separados, o ar frio da manhã formava vapor na respiração dele: _ Espere rastreador! Há perigo na aldeia!

Sem compreender e temendo a advertência de seu companheiro resolveu aproximar-se devagar e ficou estarrecido ao ver que as Iyá Mi sobrevoavam a aldeia e que os homens haviam sido aprisionados e entre eles estava Obatalá. As mulheres patrulhavam o perímetro. Notou horrorizado que de dentro do palácio branco saia a responsável por estar ali no Orun seguida pela velha Nanã e pela simpática Iemanjá. Seguiram em direção ao sul, as mulheres curvaram-se em respeito e calaram-se.

Resolveu esperar mais até  inteirar-se do assunto e voltou para onde ficasse escondido. Precisavam pensar e resgatar aos seus irmãos.

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Com o calor do dia, Oduá resolveu que era a hora de parir, preparou-se devagar, tomou um banho prolongado, vestiu-se confortavelmente, comeu frutas e saiu, sendo logo depois acompanhada pela anciã Nanã, que parecia cansada e claudicava segurando o grande Igbiri, seu cajado curvo e enfeitado com uma rede de palha da costa, búzios e couro de animais, ela segurava firme e olhava pensativa para Oduá, sentia que faltava algo na história da Grande Mãe, porém, esperava que as máscaras caíssem logo. Iemanjá seguia um pouco a frente dela, sorria intimamente, pois nunca antes havia imaginado que as mulheres pudessem realizar algo tão grande: dominar o Orun e subjugar os homens. Cabia agora a elas terminarem o prometido pela Grande Mãe e refazer o mundo com a predominância do feminino. Exultava diante do futuro.

Chegaram aos pés da cadeia de montanhas brancas que circundava a casa de luz onde Olodumaré, o Deus criador repousava. Oduá olhava o cimo da mais alta e encarava a luz prateava que evocava de lá e se perguntava o porque de Elenini não ter se juntado a elas, mas por hora tinha assuntos mais urgentes para pensar e realizar: seu filho já passara da hora de nascer e fazer as realidades tremeres ante sua presença. Sentia a desconfiança da velha e sorriu satisfeita, se ela ao menos imaginasse o que viria pela frente, cada passo foi calculado por muito tempo e ela não cederia espaço para ninguém. Depois que fizessem isso, ela daria um jeito nas suas filhas. Aquele bate boca inútil a incomodava sobremaneira, tanto tempo e nenhuma delas sequer tinha ideias e palavras fortes.

Como se esperasse por elas, numa pequena clareira uma pedra retangular coberta por musgo verde oliva, cinza e branco as aguardavam. Ficaram de frente a cama e Oduá balançou afirmativamente que era ali o local escolhido.

_ Trouxe o que pedi anciã?

Tirando de sua pequena bolsa que trazia amarrada em sua saia, a velha retirou uma lâmina de pedra afiada, Oduá sorriu e afagou com carinho o rosto dela.

_ Perfeito minha amiga! Você será quem abrirá meu ventre, enquanto Iemanjá com sua água resfriará meu corpo, trazendo à vida minha primeira criação!

Ao dizer isso, sentou-se devagar e em seguida deitou-se sobre a fria pedra. Nanã levantou o tecido que cobria a barriga descomunal de Oduá e via temerosa o caminho que o ser fazia esticando a pele, por algumas vezes notou o contorno de garras e temeu o que pudesse sair dali, pensou em acabar com a Grande Mãe ali mesmo, mas rezou, orikis e sons arcanos escapavam de seus lábios finos e vincados. Iemanjá notando que a temperatura da grávida aumentava, deslizou água do solo envolvendo-a suavemente e esfriando-a.

Nanã Buruku aproximou a lâmina do ponto superior e cravou-a com destreza, deslizando-a para baixo, o sangue jorrou, mas em seguida recrudesceu, com suas mãos delgadas a velha abriu o ventre expondo a escuridão que revolvia-se dentro da imensidão sideral que era o interior de Oduá. Afagou o ventre, massageando-o e em seguida apertou-o para que o ser escapasse de dentro dela.

Minutos passavam e por fim escutaram um arranhar subindo vindo de dentro do ventre, afastaram-se momentaneamente com medo, Iemanjá buscou esfriar mais ainda o corpo em transe profundo de Oduá, que resfolegava e tremia.

Como serpentes, matéria escura se derramava de dentro dela, vazando pelo corte, escorrendo pela barriga e descendo pela pedra, caindo no chão. Agora ecos de uivos cada vez mais altos e próximos da superfície escoava para fora também.

Irrompendo do fundo escuro uma pata pulou para fora, sendo seguida por mais três, a altura do arco formado por elas chegava a vinte metros. Em seguida, num esgar de vida o novo Aragmarô eclodiu de dentro de sua mãe como fumaça sólida. As mulheres caíram para trás devido ao susto.

O corte cicatrizou rapidamente e pouco depois Oduá lançou um som estrangulado como se acordasse e olhou para o alto. Sorriu, seu filho era maior do que imaginara. Cria que se pudessem olhar do alto, ele pareceria tão alto quanto a maior das montanhas.

_Aragmarô! Meu filho! - O estranho ser que tinha o corpo robusto, tinha um pescoço logo, escamas e penas escuras o cobriam, suas garras possuíam unhas que machucavam a terra, uma cauda tão grande quanto o corpo agitava-se no ar, então ele olhou para baixo e aproximou seu rosto: uma mistura de réptil com um bico longo de ave, repleta de presas pontiagudas, seus olhos eram vermelhos e ardiam com uma chama. Oduá acariciou-o e ordenou:

_ Destrua Iangui e o equilíbrio!

Nanã ao escutar aquelas palavras segurou firme no braço dela e perguntou seca:

_ O que quis dizer com o equilíbrio Mãe?

Oduá deu um puxão rude no braço soltando-se e olhou-a duramente.

_ Exatamente o que entendeste velha! Enfim eu compreendi que para nascer é preciso morrer e que para criar é preciso destruir!

_ Mas Grande Mãe, o que pretende fazer ameaça a todos nós! – Fala angustiada Iemanjá amparando Nanã!

_ Sacrifícios são necessários!

_ Mas é meu filho ... ele nunca fez mal a ninguém, eu sou responsável por seu sofrimento!

_ Assuntos de família não me dizem respeito velha. Infelizmente, seu filho é um obstáculo entre mim e o futuro. Oxumarê perecerá ... depois que aquele insolente de Exu! Ninguém se interpõe entre mim e meus objetivos! A guerra começou!

_ Não! Por favor, não! – Nanã ajoelhou-se perante Oduá e segurou sua mão, a Grande Mãe apenas afastou-a devagar e seguiu seu caminho. A velha continuou soluçando no chão, Iemanjá olhava tudo penalizada e em seguida levantou sua cabeça.

Aragmarô sacudiu-se e de seu corpo ele retirou asas de couro que levaram sombra e desespero a quem o viu ali e na aldeia de Obatalá, urrou em desafio e em seguida  levantou voo, espalhando destruição ao perímetro que estivera e subindo rumo ao seu destino: a morte dos primeiros bastiões do equilíbrio e da harmonia entre as realidades.

Orun - Aiyé: Guerra Santa #Wattys2016 (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora