CAPÍTULO 36 - TRÊS SONHOS

657 56 30
                                    


A água batia em pedras ásperas, Oyá estava numa extensão grande de uma areia fina e branca, pequenas pedras multicoloridas e conchas se espalhavam por seus pés nus, o vento era cortante e violento. Não conhecia o local onde estava ou o que fazia ali, só escutava que a água lhe chamava. Estava nua da cintura para cima, seus seios pequenos e hirtos devido ao frio que o sopro que vinha da imensidão azul lhe trazia. Pé ante pé entrou no azul a sua frente e sentiu a mudança de temperatura de seus pés em contato com a água.

Caminhou devagar e de vez em quando sentia batendo em seus pés plantas estranhas, de uma textura que não reconhecia. A uma certa altura, descobriu-se com a água em seus quadris, uma espuma branca e espessa vinha em ondas simétricas, que ondulavam a superfície daquele imenso "lago", o maior que já tinha visto, tão grande que tocava na borda do horizonte. Ao bater forte em seu corpo, a vaga de água respingou em seu rosto e ela sentiu seu gosto: salgada! Nunca tinha ouvido falar em água salgada e o medo arrepiou seu cabelo. Imediatamente o vento rodopiou, levantando ondas mais selvagens, o pânico a envolveu e de repente não sentia seus pés tocando a terra molhada sob si, era jogada para frente e para trás. Nadou desesperada e notou que estava cada vez mais sendo puxada por uma correnteza para o local de encontro com o céu, onde os dois azuis encontravam-se e tentou voltar a margem segura que se distanciava cada vez mais dela, até só restar uma nesga amarelada de fundo e depois uma ilusão de terra.

Inesperadamente não sentiu mais medo, a água era morna e a mantinha flutuando, só o vento era perceptível, descendo em espiral como um círculo protetor em torno de si. Deixou-se levar pela correnteza e quando percebeu estava sem noção de direção, só enxergava o imenso "lago" salgado e azul, por todos os lados.

Os instantes foram passando e o pânico foi lhe preenchendo os olhos, fazendo com que criasse um tornado que desceu lambendo a água, cortando o líquido em que estava, abrindo-o aos poucos, expondo-a e fazendo-a levitar em direção ao céu, resgatando-a. Subiu e não encontrou nenhuma margem visível, somente a imensidão solitária da água e então ela entendeu que aquele lugar não era natural e se estava ali deveria existir uma razão. Tentou lembrar-se do que tinha acontecido consigo, mas o branco lhe impedia de lembrar.

Ao acessar suas lembranças a fúria a tomou, sem entender o porque e a extensão total de seu poder eclodiu, a água abaixo sofreu coma intervenção do tornado violento que a perfurava cada vez mais fundo, entrando em suas entranhas. Raios estouravam em seu epicentro, reverberando no corpo dela, iluminando o tornado, ela ficou de cabeça para baixo e desceu como uma faca entrando nas profundezas do abismo azul.

Um mundo estranho e colorido sobreposto pelo azul que preenchia tudo, nada era o que esperava, cardumes passavam assustados pelo redemoinho de vento e água que cobria quilômetros, mergulhando para longe dela. Um zumbido lhe enchia os ouvidos e o ar tornava-se pesado, apertando o funil de vento, que a hospedava naquele mundo molhado. Pelo seu lado esquerdo um quadrado prata rodopiava, entrando e saindo de si mesmo virando uma seta e Oyá refinou a parede de vento para olhar melhor o que poderia ser aquilo.

Quando a estranha forma chegou perto, ela reparou que era um cardume imenso em seu balé aquático revoltoso. Montanhas surgiam abaixo de si. Pontiagudas e íngrimes, repletas de uma vida estranha que escondia-se em suas frestas, nadava ao seu redor ou rastejava em seus sedimentos. A claridade torna-se opaca. Oyá sentiu quando o grande cardume bateu em seu redemoinho. Uma. Duas. Três ... dez vezes. Cada batida era uma dor em sua cabeça, como uma pedrada, ela sentia em toda a extensão de seu corpo. Cada vez que ele se jogava contra o tornado, peixes passavam por ele, como flechas que o perfuravam, depositando-se no fundo do tornado, pulavam vivos naquela caverna seca de vento.

Quanto mais descia, mais peixes atravessavam o cone de vento e Oyá sentia o peso que a carga deles causava em sua concentração, eram muitos e a estavam empurrando para baixo, forçando-a, mais sabia que se abrisse sua redoma de vento para os expulsar, ela morreria afogada, pois não conseguiria refazê-lo a tempo. O medo e a fúria reforçavam sua impotência frente aquele ambiente adverso. Nisso, uma mão fria e gigante segurou firme seu pé esquerdo e ela soltou um grito de horror. Olhou para baixo e na semi escuridão rodopiante, iluminada pela eletricidade que a envolvia, viu a mulher peixe olhá-la com seus olhos prateados e sorrir uma boca cheia de dentes.

Orun - Aiyé: Guerra Santa #Wattys2016 (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora