A namorada

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                Marcy o olhava com os mesmos olhos de qualquer um que o vira após o acidente. Olhos de pena.

               A garota fitava fixamente as pernas do menino, que estavam paradas sobre os pedais da cadeira de rodas. Ela sentava-se no sofá, os dedos entrelaçados aos dele e as pernas cruzadas.

              —Dói? — Perguntou ao segurar a perna de Noah e aperta-la. Os olhos da garota percorreram do joelho dele até os seus olhos.

              Balançando a cabeça, Noah respondeu que não.

              Mesmo com o olhar de Marcy sobre ele, o garoto não se incomodava como quando sua mãe, por exemplo, ficava fitando suas pernas imóveis por minutos, como se esperasse que elas se mexessem. Ela era especial para Noah. A garota que ele tanto queria casar e ter filhos. O olhar de pena dela não era algo ruim, era uma bênção.

             Sempre que Noah olhava nos olhos de Marcy, ele se perdia no tempo. Ele detestava casais melosos, mas não conseguia evitar de tornar-se um na presença da menina. O verde esmeralda era tão hipnotizante que ele simplesmente voltava no tempo toda vez que os encarava, lembrando-se do santo dia em que conheceu Marcy. A melhor coisa que já o aconteceu, ele sempre concluía.

             Era início das aulas no primeiro ano e Noah havia sido transferido de escola por conta de uma briga no outro colégio. Ele sempre teve problemas para controlar sua raiva e costumava achar que brigar era o melhor modo de se resolver um problema. Isso antes de vê-la na aula de matemática.

Marcy estava dez minutos atrasada. Quando entrou na sala de aula, para Noah, pareceu que o céu se abriu e uma luz desceu por entre as nuvens iluminando a garota, tornando seus cabelos ruivos vivos e brilhantes como chamas. Era um anjo? Não, era Marcy Muller.

Durante o mês seguinte, Noah tentou aproximar-se da garota e até passou a tomar banhos com mais frequência, colocar colônias masculinas e pentear o cabelo.

Foi numa festa que eles se beijaram pela primeira vez. Foi uma noite de diversas primeiras vezes, na verdade. Primeira bebida, primeira dança a dois. Exceto sexo. Marcy era tão religiosa quanto os pais de Noah, e, por isso, achava que sexo só era permitido após o casamento. Mesmo estando bêbada ela seguia este princípio, o que era notável.

               —Marcy...— Indagou Noah ao sair do transe. Ele a amava e tudo o mais, mas a dúvida ainda martelava em sua cabeça. Não conseguia formular nenhuma resposta ou hipótese que o contentasse. — Por que não foi ao hospital me visitar? Eu estava lá desde... sei lá, faz três semanas!

              Marcy virou o rosto para o outro lado, impedindo que Noah visse sua expressão. Ela apertou a mão do menino com certa força e respirou fundo. Abaixou a cabeça permitindo que os cabeços ruivos cobrissem seu rosto e, após um tempo silencioso, ela respondeu.

              —Eu... eu estava... eu não queria te ver daquele jeito... deitado sobre a maca do hospital, sabe?! Me dava uma dor enorme no peito só de te imaginar desacordado, deitado num leito de hospital todo entubado... Desculpa, não fui forte o suficiente para conseguir suportar essa dor... estava com saudades, mas... mas...

             —Tudo bem. — Interrompeu Noah, ao inclinar o corpo para a frente e levar a mão desocupada até o rosto da menina, o virando para ele. Ela estava com os olhos avermelhados, como os de quem tenta não chorar.

             Noah acariciou a bochecha dela com o polegar e abriu um sorriso. Agora, quem tinha o olhar de pena era ele.

             —Eu entendo. — Ele prosseguiu. — Desculpa ter perguntado, não sabia que era tão doloroso para você...

             —Meu namorado estava internado depois de um acidente catastrófico. Como isso não seria doloroso para mim?!

             E ela fez de novo. Virou o jogo. Em todas as discussões do casal, Marcy sempre conseguia fazer com que a culpa caísse sobre Noah, o fazendo sentir-se o vilão da história mesmo que seja evidente que a real culpada é ela.

             —Desculpe...— Repetiu Noah, abaixando a cabeça e recolhendo sua mão. Coçou a nuca e comprimiu os lábios para dentro, como se estivesse arrependido do que disse.

             Marcy abriu um sorriso solidário e, novamente, o olhar de pena trocou de dono, passando a pertencer à garota. Ela acariciou os cabelos de Noah e deu-lhe um beijo na bochecha. Soltou a mão do menino e passou a segurar sua cabeça, virando-o para ela e o beijando na boca.

             —Tudo bem. — Respondeu Marcy ao fim do beijo.

             —Não me incomodaria se me beijasse de novo. Sabe?! Três semanas...— Noah entortou seus lábios num sorriso e encarou os olhos dela mais uma vez. Sem dar tempo para que ele voltasse a viajar no tempo, Marcy deu-lhe outro beijo, um mais demorado que o anterior.

             A mão do garoto escorregou pela coxa de Marcy e parou em sua cintura enquanto que inclinava o corpo para a frente o máximo que conseguia.

             —Ahn... Com licença? — A voz de Mirian, a mãe de Noah, surgiu do nada e, quando os beijoqueiros abriram os olhos depararam-se com a mulher parada em frente a eles.

             Noah endireitou-se na cadeira e Marcy limpou o batom borrado nos cantos da boca.

             —Desculpe a intromissão— Prosseguiu a mulher sem conseguir conter um sorriso. Mirian gostava de ver Noah e Marcy juntos. Achava que daria certo. —, mas, filho, você precisa dar atenção aos outros convidados! Estão aqui por sua causa! Velha, seus primos de segundo grau estão na cozinha.

             Noah olhou para Marcy, que balançou a cabeça e sussurrou um "vai lá". O garoto sorriu e colocou as mãos nas rodas da cadeira, a manobrando com certa dificuldade. Mirian se colocou atrás do garoto e passou a empurrar a cadeira.

             Marcy os observou até adentrarem a cozinha, em seguida pegou seu celular e tornou a mexer nele.


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