As vicissitudes da vida

Beijo

Noah ficou parado, encarando a namorada que parecia ainda não ter os notado. Nenhum dos três falou nada, todos aparentavam estar estupefatos com o que viam. A única coisa que se ouviu naquele momento foi o barulho da multidão se dissipando enquanto saía do cinema. Então, o baque de uma porta o tirou do transe e o fez lembrar que o cara que estava junto de Marcy era o namorado Matheus. Ele virou-se, mas o garoto havia sumido. Conseguiu avista-lo através do para-brisa, passando pela frente do carro em passos pesados e rápidos.

Quando Anthony o viu já era tarde demais. O garoto Loiro estava no chão com Matheus em cima dele, socando-o. Marcy ficou aterrorizada, pedindo para que parassem. Ela chamou ajuda, exclamou para todos ao seu redor. Até tentou agarrar o braço de Matheus para tira-lo de cima do amante, porém a fúria do garoto era tão grande que a empurrou para trás e continuou socando o namorado. 

Anthony já sangrava pelo nariz e quase não tinha mais forças para defender-se quando dois homens agarraram Matheus pelos braços e o fizeram levantar. Ele ainda estava enfurecido, xingando e tentando chutar o menino estirado no chão. 

—ME SOLTEM! ME SOLTEM QUE EU AINDA NÃO ACABEI! — Ele gritava e se mexia feito louco, tentando se livrar dos caras. Os dois eram maiores e mais fortes que ele, porém quase não conseguiam conter sua ira. Matheus ainda conseguiu acertar um chute na perna de Anthony antes de ser afastado.

A multidão formou-se ao redor deles e Marcy abaixou-se para examinar Anthony. Algumas outras pessoas apareceram para ajudar, ligavam para  a polícia e os bombeiros. Alguns gravavam com o celular e tiravam fotos. Até que, então, Marcy avistou o rosto de Noah. Ele a olhava sem expressão no rosto. Não se assustou com a reação de Matheus, nem estava chocado com a traição. Estava triste, porém isso não era uma emoção nova. Já se acostumara. 

Os olhos da menina se arregalaram e ela abriu a boca, como se quisesse falar algo, porém o som não saísse. Um encarava o outro como se não existisse mais nada ao redor. Ela estava bela, mesmo que a maquiagem dela estivesse borrada por chorar e o cabelo bagunçado por ter tentado se intrometer na briga. Noah estava mais pálido que o normal, porém bem. De certa forma conseguiu ficar feliz por não ser Greg, o amante de Marcy.

—ME SOLTA! — Matheus ainda gritava, até que, então, conseguiu o que queria. Ele ficou encarando Anthony no chão e seus olhos ainda ferviam de ódio, porém não foi para cima do namorado. Ele apenas contornou a multidão e entrou no carro. O motor do veículo roncou e, como se nada tivesse acontecido, Noah virou-se para a frente, ignorando a namorada, e levantou o vidro do carona.

—Noah! — Marcy chamou, porém foi ignorada. O carro arrancou cantando pneu e eles se foram.

A volta para casa foi deprimente. Mais uma vez, estavam em silêncio. Peggy, que não se pronunciou em momento algum, olhava com pena para ambos os garotos sentados à sua frente. Encolhida no banco traseiro, ela imaginava que horrível deveria ser aquilo e o que estaria passando em suas mentes naquele momento. Mesmo que não conhecesse Matheus há muito tempo, ela se sentiu mal por ele. Queria poder ajuda-lo, assim como queria ajudar Noah, mas ela não podia. 

Noah permanecia olhando para a frente, sem expressão. Mesmo que não visse Matheus, sabia que o menino estava chorando. Podia ouvir seus soluços. O carro estava rápido demais, fazendo curvas em alta velocidade e cortando motoristas que paravam em sinais vermelhos. Quase bateram em um poste na entrada da rua de Peggy e, quando estacionaram, o carro cantou pneu. 

O jeito que Matheus encarava as coisas era bastante diferente do de Noah. Enquanto esmurrava seu namorado, a única coisa que podia-se ver em seu rosto era ódio. E ele não chorava por tristeza, ainda estava enfurecido e só pôde liberar essa raiva pelas lágrimas. As mãos do menino doíam, mas como comparar a dor dos nós de seus punhos com a dor do coração? Se fosse Noah naquela situação, teria simplesmente ligado o carro e partido, chorando em silêncio.