O tempo passara e o as folhas amareladas do Outono já podiam ser vistas na copa de algumas árvores. O verde que se iniciara na primavera e perdurara pelo verão agora se via ameaçado, e, para Noah, isso era algo muito bom. O calor nunca foi seu clima preferido. Gostava mais de frio, porém não o suficiente para ficar ilhado em casa por conta do tamanho da camada de neve que embarreirava sua porta. O garoto preferia algo mais leve, que batesse em seu rosto e rosasse suas bochechas. Que penteasse seus cabelos, sem pressa, e ainda assim os bagunçasse. Que pudesse usar roupas de frio, porém não uma sobre a outra.
Além da estação, o ingresso de Noah à faculdade também se aproximava. Faltava menos de duas semanas até que enfim se mudasse Chicago, algumas boas horas de sua casa, e passasse a frequentar a universidade de lá. Sim, ele havia conseguido! No dia de sua entrevista, estava bastante nervoso, porém tudo ocorrera muito bem. Fora aceito sem muitos problemas e inscrito no curso de Arquitetura da faculdade. A vida não podia parecer melhor... Ele tinha o apoio de todos que amava: Sua mãe, seu pai, Peggy, Greg, Marcy (sim, é isso mesmo que seus olhos veem), e também de mais uma... Ah, os últimos meses com ela foram maravilhosos. Talvez as melhores férias que já tivera. Nem mesmo Marcy o fazia sorrir tanto. As piadas, os carinhos... Essa pessoa era...
—Matheus! —O grito, no meio da noite, ecoou pelo centro da cidade vazio. Noah estava erguido no alto, sobre os ombros largos do aspirante a fisioterapeuta, rindo e agarrando-lhe o suéter pelas costas, para ter certeza de que não fosse cair. —Me ponha no chão!
O cinema estava logo atrás deles. Os letreiros logo se apagariam e os empregados sairiam, voltando a suas casas depois de mais um dia de trabalho. Já passava das dez da noite.
—Por quê? —O garoto de porte atlético questionou, sádico, e começou a girar, o que arrancou outros gritos de seu refém. —Não gosta disso?!
—Definitivamente... não. —A voz de Noah estava enjoada. —Se não parar agora, eu juro que vomito toda a pipoca que eu comi em suas cos... Matheus!! —Os olhos do menino estavam fechados, ele se sentia tonto.
Sentindo um pouco de misericórdia, quem sabe, Matheus, diminuiu a velocidade dos giros até parar. Ele caminhou até um carro, parado à frente do cinema, e desceu Noah, até que o colocasse sentado em seu capô. Manteve suas mãos à cintura, o segurando enquanto Noah, ainda de olhos fechados, tentava se orientar, para que a tontura passasse.
Finalmente abriu os olhos, vendo o rosto sorridente de Matheus dividindo-se em dois e voltando a ser um algumas vezes, até que fixou-se a segunda forma. Ele fez uma careta e empurrou o rosto de Math, mas acabou soltando o riso. Matheus, sorrindo, encostou aproximou-se mais do carro, estrategicamente, de modo que ficasse entre as pernas de Noah, e fez os braços deslizarem por sua cintura, o envolvendo em um abraço colado. O garoto sentado sobre o capô permitiu, deixando seus braços levantados para que repousassem sobre os ombros do amante. Ele fechou os olhos.
—É meio perigoso, não?
—Só tem eu e você aqui. —Ele respondeu. —Mas sim, é.
Os dois permaneceram abraçados. Os sorrisos se foram, porém a atmosfera ainda estava agradável. Um vento passou, puxando-lhes na direção em que ia. O abraço afrouxou e os dois garotos se olharam, ambos com olhos castanhos. Os dedos de Noah deslizaram pela pele morena de Matheus, até enrolarem-se no primeiro cacho que encontrou, pendendo a nuca. Ele deu um suspiro, então curvou-se e o beijou.
Foi apenas um selinho, mas, no meio da rua, pareceu um pouco errado. Ainda mais no centro.
Os dois garotos moravam em uma cidade pequena, onde o cristianismo reinava imponentemente, sem praticamente outra religião sendo praticada na área. Um relacionamento entre dois garotos era julgado de forma muito dura e pesada por ali, tendo vezes em que a violência era utilizada contra essa forma de amor. Dentro de casa mesmo, já ouvira discursos nada legais proferidos por sua mãe sobre a homossexualidade e afins. Ela não era do tipo violento, mas acreditava que existia uma cura milagrosa que tornaria "viadinhos" em heterossexuais. Noah não teve coragem de contar aos pais sobre ele e Matheus. Ou pelo menos até duas semanas atrás.
—Tem certeza que quer fazer isso esse sábado? —Matheus perguntou. Ele tinha ânsia de mais. Um selinho era tão pouco... Queria agarrar Noah pela cintura, beijar-lhe o corpo todo e joga-lo em uma cama, onde arrancaria suas roupas e... bom, eu não vou entrar em detalhes. Mas posso dizer que já aconteceu.
—Sim. Três meses de mentira, Math. É muita coisa... Eles merecem saber. Fora que eu vou para a faculdade daqui a poucos dias... Se eles me expulsarem de casa, já terei um refúgio.
—Meu quarto pode ser seu refúgio.
—Adoro seus pais, mas eu não vou morar com vocês. — Os pais de Matheus era um dos casos raros de mentes abertas naquela cidade. Eram simpáticos e bastante carinhosos. Tratavam Noah às vezes melhor do que o faziam com o próprio filho.
—Por que não? Poderíamos transar todos os dias.
—É tentador. —Riu o menino, ainda sentado no capô. O que Marcy não conseguiu tirar em três anos, Matheus tirou em menos de três meses. Pois é, meus amigos, o cara era verdadeiramente habilidoso. —Mas não. Eu gosto de ter vontade de você.
—E eu gosto de te der.
—E eu só lamento por isso. — Noah sorria, divertindo-se, com a cara de cachorro pidão que Matheus projetou em seu rosto. Ele o acariciou o queixo e se aproximou para outro selinho. —E nem adianta fazer essa carinha.
—Quê? Minha carinha de cãozinho abandonado não funciona mais?!
—São três meses a enfrentando. Uma hora eu acabaria me tornando imune. —Os dedos de Noah entraram pelos cachos de Matheus, sumindo até que emergiram. —Mas não se preocupe. Antes de ir, te darei algo que vai te saciar por todo o tempo que eu estiver fora.
—Bom, eu tenho uma ideia de o que isso poderia ser. —Sorriu Matheus.
—Sexo, claro. —Revirou os olhos, Noah, como se aquilo fosse óbvio e o cansasse.
—Na verdade, não. —Noah franziu o cenho. Matheus, então, enfiou a mão no bolso e tirou dali um objeto pequeno, circular e prateado, que brilhava sob a luz do poste. Era um anel. O garoto fitava os olhos de seu amante, que agora tinha um semblante de surpresa, mudando o foco do anel para o rosto de Matheus e vice e versa. —Seja meu. —Ele pediu. —Só meu. Estamos juntos a três meses, porém sem nada a sério. Agora que você se vai, quero ter um compromisso com você...
Noah ficara em um choque instantâneo. Tentou dizer algo, mas apenas gaguejou. Aquilo fez o aspirante a fisioterapeuta rir e levar a mão vazia até seu rosto.
—Eu acabei lembrando, esses dias, que não havia lhe pedido formalmente em namoro. E, agora, que iremos revelar aos seus pais sobre nós, achei que seria um momento perfeito para que eu fizesse isso... —A falta de uma resposta estava deixando Matheus nervoso e impaciente. Ele começou a achar que Noah recusaria. Então, reforçou. —Você quer ser meu namorado? Namorado oficial. Daqueles que coloca status no facebook, anda de mãos dadas no meio das pessoas e...
—Sim. —Noah o cortou com uma resposta rápida. O garoto piscou, aparentemente já havia retornado de sua viagem no espaço. Um sorriso voltou a entortar seus lábios e ele ergueu os olhos para Math. —Sim. Sim, sim, sim. É claro que sim!
O enorme peso de Math que só crescia finalmente se dissolveu, o fazendo suspirar e encaixar o anel no dedo de seu mais novo namorado oficial.
—Graças a Deus. Pela sua cara, achei que fosse recusar. —Honesto, como sempre, disse Matheus.
Noah riu.
—Você sabe que eu adoro fazer um drama.
Então, Matheus o beijou. Dessa vez um beijo de verdade. Com direito a ereção e tudo.
Eles ouviram um ranger por trás deles e um bater de porta. O som das chaves e, enfim, de passos.
—Tchau, Matheus. Tchau, Noah. —Disse a garota, com a roupa de lanterninha do cinema.
—Tchau, Margareth. —Disseram os dois, em uma breve pausa no beijo, voltando a colar os lábios logo quando possível.
Era super interessante como a amizade de dois amantes com o último funcionário a sair de um estabelecimento podia ser tão forte.
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As vicissitudes da vida
RomanceÉ curioso o que um acidente de carro pode fazer na vida de suas vítimas. É algo com um poder tão destrutivo e impactante, embora tão normal de se ver nos noticiários da televisão. Alguma vez já imaginou o que acontece com as pessoas após o acidente...