E então, finalmente, chegou o temido dia. Noah o evitava desde o momento em que saiu do hospital, mas, no fundo, sabia que ele chegaria cedo ou tarde. O dia em que sua vida, que já não estava muito boa, poderia piorar. O dia em que as portas do inferno se abriria e mais olhares de pena cairiam sobre Noah. O dia em que ele voltaria para a escola.
O carro parou em frente ao Archbold High School, colégio do ensino médio em Ohio, estado em que Noah mora. O pai do garoto saiu do carro e seguiu para a mala. Os dedos de Noah estavam inquietos, batucando em suas pernas inutilizáveis sem parar, como se, em uma última prece, pedisse para que elas voltassem a funcionar.
Do porta-malas, George tirou a cadeira, a abriu no chão e a empurrou até próximo da porta do carona. Vendo que as preces não foram atendidas, Noah abriu a porta e forçou-se a girar o corpo. Com as mãos, colocou as pernas para fora e se ajeitou para levantar. Seu pai o pegou no colo com os braços envoltos de sua cintura, enquanto que Noah segurava nos ombros do homem, e o pôs sentado na cadeira. O menino puxou uma perna e depois a outra, as encaixando no pedal, e olhou seu pai, que parou em frente a ele.
-Quer que eu te empurre para dentro? -Perguntou George, mesmo já sabendo qual seria a resposta.
-Claro que não! Já é muita humilhação estar nessa cadeira, imagina se eu entrasse com meu pai me empurrando?! Não, não. Vou sozinho.
Noah segurou as rodas da cadeira e as empurrou com os braços. Manobrou com certa dificuldade e seguiu pelo caminho cimentado que cortava o gramado do colégio em dois.
De cabeça baixa, Noah desviava seu olhar de um lado para o outro, fitando as pessoas, como implorasse para que elas não o notassem. Mas o notaram. Os olhares de todos ali presentes voltaram-se para o garoto. Conhecidos e desconhecidos. Noah sentia uma vontade imensa de que um buraco para o submundo abrisse no chão em sua frente para ele se jogar lá dentro e sumir. Era um péssimo dia para existir.
Ele ouviu o carro de seu pai dando partida e quase deu meia volta para implorar ao pai que o levasse com ele. Subindo a rampa do colégio, Noah inclinou seu corpo para a frente e forçou seus braços ao máximo, grunhindo pela força que fazia. Era impressionante o nível da ignorância das pessoas. Elas viam que o garoto estava se matando para subir a rampa, mas preferiram ficar olhando e fofocando a respeito daquilo. Alguns até murmuravam um "tadinho", mas ajudar que é bom, nada...
Quando finalmente chegou ao topo, ele estava exausto. Respirou fundo e prosseguiu.
Noah sonhara tanto em voltar a andar naqueles corredores... achou que seria só festa. Encontrar amigos antigos, relembrar histórias que aconteceram no decorrer do restante do ensino médio, ficar com a sua namorada de mãos dadas enquanto se beijavam encostados nos armários... Pena que nada saiu como ele queria. Ele não estava andando como em seu sonho, estava numa cadeira de rodas. Festa? Quem convidaria um cadeirante? Bom, seus antigos amigos estavam ali, mas, de longe, não pareciam tão animados em ver Noah. Ele não estava conversando com ninguém e nem mesmo sua namorada estava lá para dar-lhe apoio. Não sou muito chegado a palavras de baixo calão, mas não consigo imaginar outro termo para definir o estado de Noah naquele momento, se não: ele estava fodido.
O garoto já tinha seguido por metade do corredor, quando, de sua esquerda, uma menina de cabelos negros saiu pela porta do banheiro feminino. Ela tinha olhos puxadinhos e uma cabeça arredondada. Seu corpo era magro e suas roupas um tanto exóticas e... coloridas demais.
-Noah?!- Exclamou ela. A garota, sem nem ao menos esperar a resposta, correu até Noah e se agachou, envolveu os braços pelo corpo do menino e o abraçou.
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As vicissitudes da vida
RomanceÉ curioso o que um acidente de carro pode fazer na vida de suas vítimas. É algo com um poder tão destrutivo e impactante, embora tão normal de se ver nos noticiários da televisão. Alguma vez já imaginou o que acontece com as pessoas após o acidente...