O tempo parecia estar favorável para Noah. Passava depressa.
Na mesma velocidade que se termina uma deliciosa casquinha de sorvete, a semana do garoto prosseguiu. Sete dias em um salto. Pergunta-se o que aconteceu nesse tempo? Pois bem, eu lhe direi —mesmo que não se pergunte.
Em todos esses sete dias, Noah acordou e dormiu, o que não é nenhuma surpresa, afinal, quase todo mundo dorme e acorda todos os dias. E não precisa ser nessa ordem, muitas pessoas dormem e depois acordam no mesmo dia, por exemplo, Peggy, que fica acordada até de madrugada acompanhando brigas no Twitter. Logo, ela dorme antes de acordar no mesmo dia. Ele também comeu todos os dias. Não no mesmo horário, pois acho que isso é meio impossível, mas que ele comeu, ele comeu. Também tomou banho... O que foi beeeem constrangedor para ele, já que sua mãe precisava o ajudar e ele a obrigou a usar uma venda nos olhos e ser guiada pela voz do rapaz.
Em cinco desses sete dias, Noah foi à escola. Dias úteis, sabe? Segunda, terça, quarta, quinta e sexta. A cada dia que se passava naquele lugar, o fato de ele estar em uma cadeira de rodas se tornava cada vez mais comum. Na sexta feira, quase ninguém estava mais olhando para ele ou cochichando a seu respeito—O que foi um alívio para o garoto. Nesse mesmo número de dias, ele viu a namorada e os amigos. Aos sábados e domingos, Marcy ia à casa dos avôs, os visitar —isso era uma tradição — e seus amigos tinham festas para ir e locais sociais para frequentar. Exceto Peggy. Peggy tinha o Twitter para xeretar.
Em seis desses sete dias, Noah frequentou o fisioterapeuta. O que ele achava que seria uma tortura até que se tornou algo agradável com a presença de Matheus. Por ambos serem adolescentes e gostarem de coisas parecidas, fazer exercícios com as "pernas mortas" não parecia algo tão ruim assim. Os assuntos eram sempre os mesmos: basebol, videogame, histórias em quadrinhos, filmes e faculdade, as conversas não se aprofundam demais, como perguntar namoro ou vida pessoal... quer dizer, isso até o oitavo dia.
Ao som do despertador, Noah foi tirado de seus sonhos e acordado, voltando ao mundo em que suas pernas eram inúteis. Ele balbuciou e grunhiu querendo voltar a dormir, mas sabia que se não acordasse pelo despertador, acordaria pelos gritos de sua mãe.
Com dificuldade, girou seu corpo e se colocou de bruços, o rosto virado para o lado e os olhos ainda fechados. Sua mão esticou-se no sentido do criado-mudo e vasculhou cegamente sua superfície de madeira, procurando o despertador. Ao achar, seus dedos deslizaram pelo aparelho até encontrar o botão que finalmente dera paz a ele.
O garoto foi abrindo seus olhos lentamente, encontrando, em sua frente, a data daquele dia e o horário daquele momento: vinte de Outubro, seis e quinze da manhã.
Sem demorar mais que dois minutos, a porta do quarto abriu-se e Mirian e George adentraram. A mãe estava eufórica, como todas as manhãs —saltitava, berrava seus bom dias e tentava animar seu filho—, enquanto que George arrastava-se, como se tivesse sido obrigado a acordar por uma certa esposa que tem cafeína acoplada às moléculas do sangue —O que, para quem não entendeu, foi o que realmente aconteceu.
—Acorde filho! O dia está lindo!— Mirian abriu as cortinas e deparou-se com o céu nublado e uma ventania forte, que soprou folhas para dentro do quarto. Seu sorriso não rendeu-se, mesmo que sua previsão tivesse falhado.
—Que lindo...— Balbuciou o menino que se colocou sentado, apoiado com as mãos no colchão para que não caísse.
—Ah, vamos! Não seja negativo assim! Você sempre gostou de dias com chuvas!
—Isso era quando eu podia andar! Agora, se eu passar na lama, vou poder ficar agarrado. Minhas mãos vão sujar quando eu empurrar a roda, não vou poder correr se cair um toró, vou ficar doente com mais facilidade, minha cadeira vai ficar enferrujada, o estofado vai ficar fedendo e ainda vou ter que me humilhar, pedindo para que alguém me ajude. "Socorro, sou um cadeirante e não consigo sair dessa poça de lama!"—Ele balançou as mãos e gritou feito um histérico.
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As vicissitudes da vida
RomanceÉ curioso o que um acidente de carro pode fazer na vida de suas vítimas. É algo com um poder tão destrutivo e impactante, embora tão normal de se ver nos noticiários da televisão. Alguma vez já imaginou o que acontece com as pessoas após o acidente...