Noah andava de carro com seu pai. Estava sentado no banco do carona observando as casas, que pareciam figurinhas repetidas —todas eram iguais—, pela janela. Era dia e o sol irradiava um calor gostoso, não havia nuvens no céu, o que o tornava completamente azul. O vento soprava no rosto do menino, fazendo seus cabelos castanhos voarem para trás, deixando sua testa à mostra, e seus olhos de mesma cor se estreitarem.
Noah virou o rosto para o lado e observou o pai, que olhava fixamente para a frente. George era um homem muito cauteloso no volante — Talvez tenha até se tornado mais após o acidente do filho.
Vasculhando o carro com seu olhar, Noah teve como última parada suas pernas, cobertas por uma calça jeans e um tênis All Star. Ele as observou, observou e observou, pensando no porquê de não conseguir mexê-las.
"O médico disse que não posso mexê-las" ele pensou.
"... certo, mas e daí?!" Retrucou contra si mesmo.
"E daí que eu não as sinto." Rebateu.
"Será?!"
Será?!
Noah pensou novamente nisso e deixou seu eu da oposição em sua mente, voltando para a realidade. O garoto levou suas mãos até as pernas e as apertou. Ele sentiu.
Erguendo as sobrancelhas, Noah abriu um sorriso largo e apertou novamente para ter certeza, e, de novo, ele sentiu.
—Pai! —Ele exclamou, mas não teve resposta.
Sendo um pouco mais ousado, Noah tentou mexer as pernas. E conseguiu! Sim, ele conseguiu! Nem parecia que algum dia foram imóveis. Ele dobrou os joelhos, mexeu o tornozelo, até chutou o chão do carro. Era inacreditável. O impossível aconteceu. Um milagre! Será que Deus teve piedade dele e resolveu consertar suas pernas?
—Pai!— Ele exclamou com mais alegria. — Olhe! Eu consigo mexer minhas pernas! Olhe, olhe!!— Não houve resposta novamente.
Noah olhava fixamente para suas pernas, as admirando enquanto se mexiam. Impaciente com George, Noah esticou a mão e agarrou na blusa do pai, sacudindo-a e chamando-o, mas nada de respostas.
—Pai! Eu estou te chamando! Olhe, minhas pernas...— Noah virou-se para olhar seu pai, mas não fora o que ele encontrou. Ele encontrou a si mesmo.
Seu sorriso desapareceu. O clima agradável e ensolarado sumiu junto do sol, que foi coberto por nuvens negras e carregadas, tornando o dia, noite.
—O quê?! —Noah sussurrou.
O seu eu que dirigia o carro não se virou para ele. Continuou dirigindo enquanto que a velocidade do carro começava a subir.
Noah olhou para a frente e reparou que não estavam mais nas ruas onde passavam antes. Estavam em uma estrada sem iluminação, apenas tendo os faróis do carro ligados. Trovões ribombaram no céu, emitindo estrondos perturbadores. Uma chuva intensa caiu.
O garoto começou a se desesperar. Virou para o lado, encontrando a janela fechada. Tentou abrir a porta, mas estava trancada. Puxou o pininho que a destrancava, mas nada acontecia.
—Hei! O que está fazendo? — O garoto exclamou ao ver que a velocidade do carro já tinha passado dos cem por hora. O barulho do motor misturava-se os outros, aumentando cada vez a tensão. —Para! —Ele berrou.
Sem resposta.
—Eu mandei parar! —Esbravejou novamente, agarrando o braço do motorista e o puxando, mas não conseguira nada, ele permaneceu imóvel.
Um tremor balançou o carro quando o mesmo subiu pelo meio-fio e passou a andar com uma metade na calçada e a outra na rua.
Noah continuava a puxar o braço de seu clone, quando virou-se para a frente e deparou uma árvore. Eles seguiam em direção a ela.
O menino pulou no volante e tentou vira-lo, mas não conseguiu resultados. Era como se aquilo fosse inevitável. Como se ele tivesse que bater naquela árvore a todo custo, era seu destino. O destino de ser um aleijado. De ser alguém que sempre precisará de ajuda, que nunca poderá fazer nada sozinho. O destino de ser um peso morto.
—PARA!! —Não parou. O carro foi a toda e bateu contra a árvore num estrondo.
Noah, então, acordou.
Estava suado e ofegante, suas roupas ensopadas e seu cabelo bagunçado. Estava chorando, também. Sua garganta ressecada e o coração acelerado. Seus olhos vasculharam tudo ao seu redor e ele constatou que se encontrava em seu quarto. Ainda era noite, estava tudo escuro a não ser a luz da lua que invadia pela janela e do despertador, que marcava quatro e trinta e sete.
Com a mão, ele secou as lágrimas que traçavam linhas em suas bochechas. Sua respiração, ele conseguiu regular e o coração passou a bater com mais calma. Ele conseguiu se controlar.
"Um pesadelo, Noah. Foi só um pesadelo" pensou.
—É... Um pesadelo. — Concluiu.
Durante todo o restante da noite, ele tentou dormir novamente, mas não houve sucesso. Perdeu o sono e estava com medo. Seus pensamentos vinham como tiros de metralhadora: rápidos e dolorosos.
Noah sempre teve pesadelos, mesmo antes o acidente. Só que, desta vez, ele não pôde ir à cozinha pegar um copo de água ou beber leite direto da caixa. Teve que ficar lá, deitado e esperando o sol nascer. Se tivesse sorte, alguém acordaria antes e passaria pelo corredor. Ele poderia até chamar sua mãe, mas não queria incomodar o sono dela. Por isso, apenas pegou o celular e ficou jogando Plantas Vs Zumbis.
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As vicissitudes da vida
RomanceÉ curioso o que um acidente de carro pode fazer na vida de suas vítimas. É algo com um poder tão destrutivo e impactante, embora tão normal de se ver nos noticiários da televisão. Alguma vez já imaginou o que acontece com as pessoas após o acidente...