Pai

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– Você acabou de citar uma frase do seu livro – eu franzi a testa involuntariamente e, ao invés de ela rir, ela continuou mexendo no meu cabelo.

– Não citei, não, mas saiba que ela pode estar em um próximo – ela sorriu e beijou minha bochecha. – Viu? Já não está mais chorando.

– Acho que eu chorei por toda uma vida hoje – assuei meu nariz novamente e tirei o cabelo do meu rosto.

– Sabe o que podemos fazer para dar uma melhorada no seu humor? – eu neguei com a cabeça e ela deu um sorriso maroto. – Cortar seu cabelo!

Minha mãe sempre teve essa ideia fixa de cortar meu cabelo, mas eu nunca realmente quis correr o risco... mas, pensando agora, meu cabelo está grande o suficiente para que se algo de errado acontecer, será possível arrumar... acho. 

Eu concordei e Dona Rita quase saiu dando pulinhos de alegria. Ela me disse para ir dormir que eu seria uma nova pessoa na manhã seguinte. Admito que um frio desceu a minha espinha, mas fui para meu quarto mesmo assim.

Eu não consegui dormir, entretanto e já passava das onze horas quando eu escutei meus pais conversando na sala. Sim, eu tenho noção de privacidade e  juro que eu nunca fui uma pessoa curiosa e... ah, quem eu estou enganando? 

Sai do quarto assim que ouvi a primeira palavra.

Os dois estavam na sala tão entretidos na conversa que nem perceberam a minha aproximação.

–... Não precisa se preocupar – ela falou.

– Não tem como não me preocupar, Rita – eu apostava que ele estava revirando os olhos. – Eu quero que ela seja feliz.

– Ah, e eu não? – ela suspirou e acho que se sentou no sofá. – Eu entendo sua preocupação, querido, mas dê tempo ao tempo.

– Frase feita não combina com você.

– Ficar retrucando tudo o que digo não combina com você, Edgar.

Os dois pararam um instante e eu me perguntei o que poderia estar acontecendo.

– Rita, mesmo você cortando o cabelo dela e conversando e tudo mais, ainda não vai resolver o problema com Sara! Aquelas duas são inseparáveis desde pequenas e não dá para simplesmente acabarem assim.

– Culpa da Sara que falou aquilo para a minha filha!

– Rita – ele a chamou com um tom doce e, eu juro que a ouvi bufar. – Eu também não concordo com a reação de Sara, mas não vamos safar Roxy de toda a situação.

– Está dizendo que ela foi culpada?!

– Roxy nunca conseguiu lidar bem com os sentimentos dela, principalmente com raiva e é extremamente impulsiva. Ela quebrou o nariz do garoto!

– Que tivesse quebrado mais coisas do que apenas o nariz, Edgar! – minha mãe falou em um tom ameaçador, mas não alto. Bem a cara dela. – Não consigo acreditar no que está dizendo.

– Fala isso por que ela é igualzinha a você quando era mais nova. E sabe que se meteu em muitas enrascadas por causa do seu temperamento explosivo! Na verdade, a única diferença entre ela e você é que Roxy se fechou em vez de sair gritando com todo mundo.

– Eu não gritava com todo mundo! E daí que ela é igual a mim? Olha onde cheguei sendo quem eu sou e nunca fazendo tipinho! E por mais que você reclame Edgar, se casou comigo sabendo de tudo isso.

Os dois estavam entrando numa briga por minha causa. Isso era o pior. 

Eu desejei não ter levantado e escutado a conversa dos dois, mas mesmo assim não consegui fazer com que meus pés voltassem para o meu quarto. Em vez disso, continuei atenta ao silêncio momentâneo dos dois.

– Desculpe-me, Rita – ele sussurrou. Acho que estava a abraçando. – Não quis irritá-la, mas você sabe que o que eu disse é verdade.

– Eu sei que é – ela suspirou. – Mas não aceito fazer o que você estava sugerindo.

– Mas eu nem falei nada!

– Eu não vou falar para a minha filha mudar o seu jeito de ser. Não me importa se ela é impulsiva, antissocial ou o que quer que seja. Ela me trouxe muitas felicidades quando veio a este mundo e não vou reprimir nada que venha dela. Absolutamente nada.

Após isso eu escutei o suspiro dele e voltei andando lentamente para o meu quarto, sem fazer barulho. Entrei e fechei a porta com muito cuidado, deitei na cama e novamente não consegui pegar no sono. É, era melhor eu não ter ido escutar a conversa deles.

Meu pai estava certo, era culpa do meu temperamento explosivo que tudo isso aconteceu, mas as palavras da minha mãe ficaram rodando na minha cabeça. E, sinceramente, eu cheguei a uma decisão bem mais rápido do que eu esperava.

Eu não iria nunca mudar meu jeito nem por Sara, nem pelo meu pai, nem por ninguém.

É incrível como minha mãe pode estar certa. E foi assim que tive certeza de que deixá-la cortar meu cabelo era o certo. De qualquer maneira, eu queria me livrar um pouco daquele monte de cabelo pesado. Cobri-me ainda mais com o cobertor por causa de um vento frio que entrou no meu quarto. Fechei os olhos, decidida a dormir quando a porta do meu quarto se abre lentamente. Ouço passos se aproximarem da minha cama e logo depois os lábios leves da minha mãe na minha testa. Ela me sussurrou um "eu te amo" e saiu do quarto fechando a porta.

Dei um último suspiro antes de cair no sono.

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