Eu deitei a cabeça no travesseiro e sinceramente não sei quanto tempo se passou até eu a ver sentada na praia. Eu sabia que lugar era aquele e sabia que era Sara sentada ali, mas eu não entendia o que estava acontecendo. Eu olhei para baixo e vi que eu estava usando o vestido branco de quando tínhamos dez anos.
A minha família e a de Sara, quando tínhamos dez anos, queriam fazer uma viagem familiar já que nós duas nos gostávamos tanto e nossas mães também. Naquela época, Nicolas ainda estava com a gente e ele deveria ter quase treze anos, agia como se nada o atingisse e, para falar a verdade, eu não me lembro de tê-lo visto em outros momentos além das refeições.
Ele nunca ia com a gente para a areia ou entrava no mar, sempre ficava no hotel ou, se saia, estava sempre debaixo do guarda-sol e muitas vezes caçoava de quando a gente corria atrás de pipas ou agia como crianças. Dona Flávia brigava com ele quando fazia isso, mas logo em seguida ele voltava a dizer como éramos infantis.
Sara e eu nunca realmente ligamos para aquilo. Nós éramos crianças e queríamos mais entrar no mar, catar conchinha do que escutar um "adolescente" sobre o que era ou não infantil.
Apesar das boas memórias sobre aquela viagem, eu me sentia mal naquele sonho. Eu só tinha a visão das costas de Sara, com o vestido azul com flores numa versão para ela agora. Nós duas estávamos com quinze anos e não com dez. Eu respirei fundo e por algum motivo senti vontade de chorar.
Meu pés se moveram sozinhos em direção a ela e me sentei ao seu lado, mas não me atrevia a virar o rosto e a olhá-la por algum motivo. Escutei os soluços e acho que ela estava chorando. Eu percebi que minha boca se abriu para falar algo, mas eu irrompi em lágrimas, meu peito doía de tanto soluçar.
Ambas chorávamos copiosamente olhando para frente, para o mar deserto e em questão de segundos anoiteceu. Continuávamos a chorar até que ela disse, balbuciando.
– Tudo minha culpa.
Eu repeti o que ela disse com a minha voz entrecortada. Não neguei, não concordei com ela. Apenas repeti. De repente tudo mudou e estávamos com os mesmos vestidos só que em um hospital. Era um corredor grande e ela pegou minha mão fazendo meu estômago se contrair.
Eu não queria sentir aquilo, eu não queria que ela me confortasse.
Ela acabou me puxando pelos corredores e paramos de frente a um quarto. Eu gritei que não queria entrar, mas ela me fez. Eu tentei fechar os olhos, mas quem diabos consegue fazer apenas o que quer em um sonho?
Então eu vi. Era Nicolas. Estava todo ensanguentado e seu joelho estava pra fora. Ele parecia estar consciente, tinha os olhos abertos, mas o negócio que mede a frequência cardíaca era uma linha reta e mesmo quando ele sorriu de lado e falou, eu sabia que ele estava morto.
Ele falou e falou a mesma frase, repetindo-a infinitas vezes até que eu cai de joelhos e Sara sumir do meu lado. Ele se levantou da cama e se ajoelhou no chão com aquele joelho quebrado e levantou meu rosto choroso para olhar nos seus olhos repetindo a frase mais uma vez.
– Por que você não me salva? – ele tinha um tom irônico e era assustador a forma que repetiu aquilo mais vezes.
Quando parou de repetir e fechou os olhos seu coração voltou a bater e com seu rosto todo cheio de arranhões sorriu. Sara apareceu de novo com a mão no meu ombro. Ela disse algo como "ele está morto", mas eu gritei que ele não estava, que a máquina estava mostrando o coração batendo.
Eu gritei muito e esperneei enquanto Sara tentava me tirar de perto dele. Eu gritei que eu tinha que salvá-lo, gritei de novo para que me soltasse e quando já estávamos fora do quarto, ela me olhou chorosa.
– Você não me ama mais?
Com aquela frase eu acordei num sobressalto. Meu coração parecia querer pular do meu peito e eu percebi que estava toda suada. Vi que tinha dormido com a luz acesa e fechei meus olhos com força. Tateei a escrivaninha até achar a gaveta e pegar meu celular dentro dela.
Eram quatro horas da manhã e nenhuma ligação havia sido feita. Meus dedos se moveram sozinhos para o chat dele e sem pensar direito eu digitei um "está tudo bem?" e fiquei esperando durante quatro minutos uma resposta, apenas encarando o celular.
Ele me respondeu com um "puta merda, você me acordou. sabe que horas são?". A mensagem diria que ele estava muito puto, mas eu não me importava com aquilo. Aquele maldito pesadelo não tinha sido nenhuma premonição ou algo assim e era isso que eu queria saber. Respirei fundo e respondi "boa noite" bloqueando a tela do celular.
Virei-me de modo que minhas costas encontraram o colchão. Joguei todos os cobertores no chão e senti que a cama inteira estava encharcada com suor. Passei a mão no rosto e me condenei por ter ido dormir tão cedo. Eu queria ir tomar um banho, mas meu celular tocou.
Atendi sem nem olhar quem era e minha voz saiu trêmula demais, com medo demais.
– Roxy? – era a voz dele. Estava um pouco preocupada eu acho, mas eu não consegui identificar. – O que aconteceu? Pra que merda me mandou uma mensagem às quatro da manhã? E se me responder 'boa noite' ou 'esquece' eu vou agora mesmo acordar Sara.
Eu realmente ia falar para ele simplesmente esquecer e ir dormir, mas se ele acordasse Sara ela iria me fazer contar absolutamente tudo e, sinceramente, eu não estava em condições de fazer aquilo. Resolvi falar a verdade, talvez ele visse como era estúpido, faria alguma piada e desligaria.
– Não foi nada, apenas um sonho que me deixou um pouco preocupada – eu tentei rir, mas pareceu mais que eu estava começando a chorar de novo.
– Eu vou perguntar mais uma vez. O que aconteceu?
– Eu já disse...
– Descreve a porra do sonho, Roxy.
Meu coração congelou naquele momento. Ele estava sendo pior que Sara, mas que diabos eu estava pensando quando eu mandei aquela mensagem para ele? Era óbvio que ia dar merda e deu! Agora o que eu iria falar para ele? Eu não queria inventar algo, por que eu já disse que tinha tido um pesadelo. Ele não iria acreditar se eu inventasse uma desculpa.
– Vamos logo! Eu não tenho a noite toda, porra. – o tom de voz impaciente dele me tirou do sério.
– Cala a boca, Nicolas! Eu sonhei com você morrendo, ok?!
Mais uma vez me condenei sobre o que eu tinha falado. Um silêncio se seguiu e eu fiquei com medo da reação dele, até que escutei um risinho do outro lado e a voz dele voltou parecendo que tinha um sorriso nela.
– Ok, volte a dormir, foi só um sonho. Estou bem seguro aqui no meu quarto.
A voz dele fez meu coração estremecer um pouco e minha pele arrepiar. Decidi culpar o frio.
– Que bom – disse seca. – Boa noite.
– Você tá bem? – sua voz ainda tinha um sorriso implícito e eu disse que sim. – Ok, nos vemos por ai, Roxy.
Ele desligou e eu olhei para a tela do meu celular. Meu wallpaper era a Sara com um óculos escuro fazendo careta e, pela primeira vez ao ver aquilo, eu não sorri. Minha testa continuou franzida tanto por que a reação de Nicolas foi muito diferente da que eu esperava e também sobre por que diabos eu tinha sonhado com aquilo.
Já que eu estava acordada, abri as janelas vendo que ainda estava tudo escuro e sai pelo apartamento ligando todas as luzes possíveis. Eu estava cansada e podia sentir o sono se arrastando por trás das minhas pálpebras, mas eu não queria fechá-las.
Eu não queria sonhar com aquilo de novo.
Acabei no banheiro tomando um banho gelado e colocando os lençóis e cobertores na lavanderia para secar, eu não queria que ficassem cheirando. Quando terminei deveria ser por volta das cinco da manhã e eu fui para a cozinha tomar um chá.
Aquele seria um longo dia.
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Dilema
RomanceRoxy sempre teve um temperamento explosivo e quando se tratava de Sara, sua melhor amiga, nada a impedia de defendê-la. Mas quando o irmão de Sara aparece e a maior briga de suas vidas acontece, Roxy começa a enfrentar sentimentos que nunca havia i...