Retorno

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A semana que se seguiu não foi das melhores, mas Sara parecia se animar cada vez mais. Eu comecei a acompanhá-la nas visitas no hospital e tenho que dizer que o ver todos cheio de tubos não era muito animador, mas ela se sentia mais tranquila se a gente fosse lá.

Apesar de ela ser minha melhor amiga, eu estava carregando muita coisa dentro de mim. Estresse pra caramba que eu não podia falar para ela pelo simples motivo dela ser a mais afetada naquela situação inteira e foi ai que eu vi que o grupo de artes tinha sido mesmo o melhor para mim.

O trabalho com o teatro tinha sido adiado e nós somente começaríamos a ter aulas junto com eles em dois meses, mas ainda assim, como nossa professora é uma pessoa muito responsável – palavras dela – nós íamos aos poucos começar a pensar no que seria feito. A peça era A Megera Domada.

Eu passei a sentar ao lado de Nuno todas as aulas e eu comecei a falar tudo para ele. Começamos a realmente conversar. Eu falava sobre Sara, mas nada da briga que tivemos antes das aulas e nem das merdas que Nicolas fez, apenas as coisas divertidas. Percebi que nossos gostos musicais não eram muito parecidos, mas ao conversarmos deu para notar que nosso jeito de pensar sobre várias coisas era o mesmo. Ele me mostrou alguns artistas e uma rede social apenas disso e eu fiquei bem interessada.

– O que achou do site que te mostrei? – ele me perguntou em uma tarde. – Já fez uma conta?

– Para ser sincera nem me cadastrei – eu suspirei. – É tanta gente que desenha bem pra caramba que eu não tive coragem.

– Sério? – ele riu. – Acho que no começo eu era assim também.

– Ah tá – eu disse com um tom irônico e ele revirou os olhos.

– Ninguém nasce sabendo desenhar – ele disse. – Assim como você está fazendo agora eu treinei um bocado antes de desenvolver meu próprio traço.

– Hum – eu olhei para o meu caderno de desenho que tinha vários desenhos de prática de movimento e anatomia. Aquilo era um pé no saco, mas como ele disse... – Tenho que dominar os básicos para desenvolver meu próprio estilo, então?

– Eu não diria "dominar", mas deve saber fazê-lo – eu o olhei com cara de interrogação e ele suspirou. – Apenas continua treinando, uma hora você entende.

Ele costumava falar as coisas e desistir no meio também. Acho que por causa disso também que o pessoal não se aproximava muito dele, bem, isso e o fato dele ser muito fechado em relação a si mesmo. Eu não me incomodava, entretanto, e até me identificava com o sarcasmo com que ele falava com alguém que tinha feito uma pergunta estúpida ou mesmo a ironia que ele tinha implícita em sua voz.

Nuno começou a notar que as pessoas estavam nos olhando e me perguntou se eu me importava com aquilo. Apenas revirei os olhos para ele e ele deu um sorriso pequeno. Era raro ele sorrir mesmo falando comigo. Eu treinava cada vez mais – eu queria logo entender o que Nuno tinha dito – e quando percebi minhas tardes estavam passando num piscar de olhos e semanas se passavam e nada de Nicolas acordar.

Sara apenas dormia na minha casa e eu senti que aquilo estava fazendo mal para os seus pais. Decidi então que nós duas íamos ficar na casa dela. Tanto minha mãe quanto meu pai achou aquilo uma boa ideia. Então numa sexta-feira Sara foi para a casa dela, nós achamos melhor dar um tempo para ela e os pais sozinhos.

– Manda mensagem se acontecer qualquer coisa – eu falei para ela. Sara assentiu e sorriu para mim dizendo que ia ficar tudo bem. – Vou para sua casa de manhã, ok?

– Tá bom – ela me abraçou e a observei pegar o elevador. – Até amanhã, Roxy!

Ela saiu cedo da minha casa e as horas passaram bem mais devagar sem ela lá. Até o jantar foi diferente. Talvez depois de um mês com ela morando em casa eu tenha me acostumado – mais ainda – a escutar sua voz a cada instante do meu dia. Fazia falta a presença dela na mesa de jantar e eu sabia que meus pais estavam sentindo aquilo também. Os dois a adoravam.

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