Escola

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Depois de tomar o chá, depois de me acalmar e tudo o mais eu passei duas horas no computador apenas vendo imagens engraçadas e nada parecido com acidentes ou mortes. Meu celular tocou por volta das sete horas e eu imaginei quem fosse. Peguei-o somente para ver que era a minha mãe.

Ela geralmente nunca liga e só manda mensagens então deveria ser algo muito importante. Como atendi na hora, ela ficou preocupada então tive que inventar a péssima desculpa que tive vontade de tomar água bem na hora em que ligou. De qualquer maneira, ela queria que eu mandasse um arquivo para ela por email.

Fiz o que me pediu e em seguida ela me mandou ir dormir porque estava muito cedo, mas eu não achava que iria conseguir fazer aquilo. Bocejei quando desliguei o celular e fui olhar o material escolar já que as aulas começavam em duas semanas e eu odiava comprar as coisas em cima da hora.

Comprar material escolar com a minha mãe era extremamente chato, então ainda poderia aproveitar a ausência deles. Eu queria ligar para Sara, mas como não tinha certeza de que estava acordada, apenas mandei uma mensagem e por incrível que pareça ela me respondeu na hora.

Disse que estaria pronta e pediu para que eu a encontrasse na casa dela. Concordei e fui me arrumar.

Abri o guarda-roupa e peguei uma calça jeans preta, uma camiseta azul com a estampa de uma carinha feliz gigante e calcei os tênis. No banheiro, penteei meu cabelo que estava bem arrumado já que poucas horas mais cedo eu tinha o lavado e secado com o secador.

Peguei uma blusa de frio preta só para garantir e minha bolsinha com o cartão de crédito da minha mãe. Ainda bem que eles me deixavam comprar as coisas sozinha, era melhor assim e eu me sentia muito bem com aquilo. Eles sempre confiaram muito em mim e isso me fazia bem feliz.

Eu não ia passar nada de maquiagem, mas decidi que um batom não faria mal a ninguém. Deixou meus lábios bem mais vermelhos do que eu queria, mas estava bom daquele jeito. Saí do apartamento com pressa e quando senti o vento no rosto me senti muito melhor.

Não tínhamos combinado horário, mas eu sabia que ainda estava cedo, portanto, eu resolvi ir andando. Devagar eu fui observando as lojas e as pessoas na rua. Não havia muita gente já que era cedo, mas ainda havia movimento. Vinte minutos depois eu estava batendo na porta da casa dela.

Quem atendeu a porta foi Dona Flávia e o sorriso que abriu quando me viu quase me cegou. Ela me cumprimentou e me abraçou forte e pediu para que eu entrasse.

– Logo Sara desce e vocês vão às compras – ela riu e eu sorri.

– Só vamos comprar material escolar, Dona Flávia.

– Não importa, estarão gastando dinheiro – ela piscou. – Por que não sobe? Ela está no quarto.

Agradeci e a observei sair para pegar o que quer que fosse então me dirigi para as escadas subindo cada degrau devagar, saboreando a sensação de pisar na casa dela. Talvez aquilo fosse ridículo, mas eu realmente achei que tudo havia acabado quando aquela briga aconteceu.

A porta dela estava fechada e eu ia bater quando naquele exato instante Nicolas sai do quarto dele. Ele estava somente com a calça de moletom e eu vi que seu físico era bem mais definido do que eu tinha imaginado. Nós nos encaramos e ele sorriu de lado passando por mim dando um tapinha no meu ombro e desceu as escadas sem falar nada.

Não sabe como eu fiquei feliz com aquilo. Eu estava com tanto medo de que ele comentasse alguma coisa sobre a noite anterior e tudo o que ele fez foi seguir normalmente. Suspirei e entrei no quarto dela. A encontrei trocando de roupa ainda.

– Rexy! Você chegou – ela estava colocando o sutiã. – Ajuda aqui? Eu quero ajustar a alça, mas não consigo, uma hora aumento demais outra diminui demais – bufou e eu ri.

– Claro.

Nada fora do normal aquilo, mas na hora em que a ponta de meu dedos tocaram a pele nua das costas dela um choque correu por todo o meu corpo e eu segurei minha respiração. Disse para mim mesma que era besteira aquilo e fui seguindo as ordens de Sara, mas cada vez que eu subia a alça e meus dedos roçavam na pele dela eu sentia meu peito se apertar e novamente a imagem da outra noite me veio à mente.

O olhar dela.

– Obrigada, Roxy! – ela sorriu e se afastou de mim. – Está bem?

– Claro – sorri e disfarcei, ainda bem que ela não insistiu e apenas pegou e vestiu a regata branca com as palavras "SLEEP. EAT. PARTY." em preto. – Vai querer comprar uma mochila nova?

– Não – ela apertou os lábios. – A minha ainda está boa, acho que vou comprar só cadernos e essas coisas.

– Eu vi no site da escola que para o Ensino Médio é melhor comprar vários cadernos de uma matéria – suspirei. – Assim não temos "surpresas" quando uma matéria acabar no meio de uma aula. Para mim tanto faz na verdade.

– É, mas para mim vai ser um saco carregar tanto caderno.

– Vamos poder ter armários lá – eu sorri e ela me olhou com cara de quem não acreditava. – Sim, garota, vamos poder ter armários e vamos poder colar adesivos, pintá-los e tudo o mais.

– Como você sempre fica sabendo dessas coisas antes de todo mundo, Rexy?! – ela me deu um soquinho no ombro e eu revirei os olhos.

– Sara, está lá no site da escola, sabia que não custa entrar de vez em quando?

– Não, obrigada – calçou all starts pretos com o short jeans. Pegou do chão uma jaqueta de couro preta e vestiu por cima. – Vamos, Rexy.

Descemos as escadas e Nicolas nem olhou na nossa cara. Ele simplesmente continuou a olhar para a TV como se não existíssemos e Sara o ignorou também. Dona Flávia deu dinheiro para Sara e nos deu duas torradas com manteiga para comermos no caminho.

Era divertido fazer aquilo, quase como uma tradição, sair da casa de Sara comendo uma torrada carregada com manteiga. Agradecemos e saímos comendo e rindo de alguma besteira que ela tinha dito durante o caminho. A rua em que comprávamos os materiais geralmente já era conhecida por ter somente papelarias e lojas artesanais. Tínhamos que pegar um ônibus também, mas o caminho nunca durava mais de quinze minutos.

Descemos no ponto e como já eram quase nove horas todas as lojas estavam abertas. Entramos na maior e na mais conhecida delas. Sara quis de qualquer jeito pegar dois cadernos de dez matérias e eu simplesmente peguei por volta de nove cadernos de uma matéria.

– Mas temos mais do que nove matérias.

– Eu sei, mas não acho que espanhol e inglês usem um caderno inteiro e realmente duvido que sociologia e filosofia vá conseguir usar 96 folhas, Sara – ela deu de ombros. – Eu realmente acho que você deveria pegar mais cadernos.

– Ah é? – ela cutucou minhas costelas e eu ri. – Ok, senhora sabe-tudo. Diga-me quantos mais! – me fez mais cócegas.

Acabou levando mais três cadernos pequenos e compramos cada uma um estojo novo. Pagamos e vimos que aquilo estava bem pesado. Com dificuldade compramos mais canetas e outras coisinhas e pegamos o ônibus de volta conseguindo lugar para sentar.

Os assentos eram bem distantes um do outro, entretanto. Eu já ia fazer algum comentário triste quando vejo que Sara já está pedindo para a mulher sentada no canto mudar de lugar e por mais incrível que pareça, ela realmente sai e sorri para mim e ela.

Sentamos juntas conversando animadamente sobre os cadernos e como esperamos que as nossas salas sejam as mesmas. Resolvemos ouvir música e mesmo cada uma tendo seu fone e seu celular compartilhamos um só. O dela. Ela diz que quer me mostrar uma música e é de uma banda que nunca ouvi falar na vida.

A música é gostosa de ouvir, mas nada muito estonteante. Concentro-me na letra um pouco e percebo que é bem fofinha. Quando vou fazer um comentário sobre ela olho para Sara e vejo seu olhar perdido e seus lábios se movendo formando silenciosamente as palavras cantadas pelo vocalista.

Não sei por quanto tempo fico encarando seus lábios e por quanto tempo ela se mantém perdida nos seus pensamentos, mas quando acaba a letra e ela sorri eu peço para que repita. Ela ficou surpresa, mas seu sorriso se abriu mais ainda e botando para repetir se ajeita colocando a cabeça no meu ombro.

Pegamos um pouco de transito e a viagem dura mais dez minutos. 

Eu queria que tivesse durado a eternidade.

DilemaOnde histórias criam vida. Descubra agora