Federal

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Eram dez horas da noite quando a mãe de Sara disse que iria para a cama. Seu pai já estava no quarto também e nós dissemos que não íamos demorar. Depois do jantar ficamos no sofá assistindo TV como qualquer família despreocupada com a vida.

Meus desenhos daquela tarde e noite saíram pessoas com olhos fundos e movimentos estranhos. Não sei se aquilo era por eu era uma iniciante ou por que meu cérebro estava passando por um momento tenso ali. Sara não disse nada quando eu fechei o caderno e não mostrei nada para ela. Sinceramente, eu não queria que ela visse aquilo.

Fomos para o seu quarto e conversamos aos sussurros até dar uma da manhã. Fomos até o quarto de seus pais e estava tudo tranquilo, os dois estavam dormindo.

Descemos as escadas na ponta do pé e Sara conseguiu abri o armário da forma mais silenciosa possível. Quando eu vi a caixa achei que seria um peso insuportável mesmo para nós duas, mas quando tentei a pegar vi que não era essa coisa toda. Era pesada pra caramba, mas Sara tinha exagerado.

Quando viu que eu tinha conseguido pegar a caixa, ela trancou o armário de novo e me ajudou a levar a caixa para cima, para que não acontecesse nenhum acidente. Entramos em seu quarto e ela acendeu a luz.

Era uma caixa para arquivo, de papelão e azul escura, era bem larga e alta também. Quando tiramos a tampa, vi que não tinha nenhuma divisória e estava cheia até a borda com documentos espalhados.

De cara vi o símbolo de um relatório de polícia e recortes de jornais. O que quer que tenha saído no jornal, nós não sabíamos. Nunca ligamos para isso, quando queríamos ver notícias íamos para algum site nem pensamos em checar o jornal.

Sara estava ao meu lado e parecia estar tendo um ataque de ansiedade. Segurei sua mão e com a outra peguei o primeiro papel que estava escrito "SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL: RELATÓRIO. Inquérito nº 8-839/2011". Olhei para Sara e ela assentiu com a cabeça então comecei a ler em voz alta.

– Este relatório sobre o crime cometido por três indivíduos no dia doze de janeiro de 2011 consistiu com o testemunho de um civil de quatorze anos, Nicolas Morgan, que baseado em seu depoimento voltava da escola quando escutou três estalos altos. Correu para o local de onde achou que tinha escutado os barulhos e encontrou duas jovens deitadas no chão ensanguentadas.

Eu não conseguia pronunciar o que se seguia, Sara tomou o papel de minhas mãos e eu vi seus olhos ficarem vermelhos. Mesmo assim ela forçou sua voz para sair e continuou da onde eu tinha parado.

– As jovens tardiamente reconhecidas como Rebeca Alves e Mariana Oliveira, ambas de quinze anos, estavam nuas e tinham sinais explícitos de violência sexual. Nicolas Morgan, disse que ao lado dos corpos três indivíduos estavam de pé, um com uma arma na mão.

Eu peguei um recorte de jornal enquanto Sara começava a chorar e jogava o papel longe. Era de um renomado jornal e tinha a foto de três homens altos sendo colocados num camburão da polícia.

– Este jornal aqui é de vinte e três de janeiro – minha voz estava estranha, como se minha garganta estivesse seca. Comecei a ler notícia quando Sara secou sua lágrimas. – No dia doze deste mês houve uma tragédia perto da Escola Estadual Professora Roberta Martins, duas jovens foram violentadas e mortas por três indivíduos capturadas pela polícia federal quando a única testemunha ocular que havia sido sequestrada fugiu?!

Eu não consegui acreditar na merda que eu estava lendo. Testemunha ocular? Esta só poderia ser Nicolas, mas era impossível que ele tivesse sido sequestrado!

– Aqui diz que ele foi mantido em cativeiro por três dias, Sara! – Sara estava com a cabeça entre as mãos e negava freneticamente tudo o que eu estava falando. – Não há como ele ter sido sequestrado por três dias e ninguém ter nos falado, porra!

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