Irmão mais velho

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Eu admito que não aconteceu nada demais naquele dia. 

Ficamos vendo o que tínhamos comprado e escutando músicas. Ela queria que eu dormisse lá, mas eu disse que era melhor eu ir para casa, havia algumas roupas paras lavar além de outras coisinhas para fazer.

– Ok – ela disse desanimada. – Mas podemos nos ver amanhã, não é? – eu sorri para ela e fiquei um pouco confusa com o alívio em seu rosto.

Nós ficamos lá sem falar nada, apenas encarando o teto ou o chão. Eu não tinha entendi a reação dela e sentia que não seria bom se eu saísse dali daquele jeito. Algo parecia fora do lugar e não sei por que motivo coloquei minha mão na face dela um pouco preocupada.

– Está tudo bem, Sara?

Ela parecia surpresa por alguns segundos e então fechou os olhos segurando a minha mão livre. Ela entrelaçou os dedos nos meus e por mais estranho que eu estivesse achando aquela situação não fiz nada para me retirar dela.

– Eu falei coisas horríveis, Rexy – ela suspirou ainda de olhos fechados. – Eu não... Eu não queria ter falado aquilo. Nunca pensei nada daquilo e eu fiquei tão desesperada quando você saiu por aquela porta. Nada fazia mais sentido, – ela deu risinho antes de continuar – como se a minha vida sem você fosse fazer algum sentido.

A voz dela ficou um pouco embargada na última palavra e eu senti que poderia começar a chorar também, mas eu lutei contra as minhas próprias lágrimas. Eu estava cansada de tanto chorar.

– Quando Nicolas me fez ir até seu apartamento, eu estava tremendo tanto de medo... medo de ver você e você me rejeitar, não querer mais me olhar na cara.

Na hora em que ela disse o nome dele um ponto de interrogação gigante começou a piscar na minha mente. Como assim ele tinha a feito ir até meu apartamento? Por que ele teria feito aquilo? Tantas perguntas surgiram na minha mente e eu fiquei extremamente confusa, mas tudo que saiu da minha boca foi:

– Sara, eu nunca faria isso – franzi a testa ainda pensando no porquê Nicolas a fez ir a minha casa. Eu achava que ele realmente queria me fazer voltar a ser amiga dela, mas não esperava por aquilo. Então, se tudo deu certo... foi realmente por causa dele.

– Depois do que eu disse, Rexy, eu te daria toda a razão de me odiar – ela abriu os olhos e pegou a minha mão que ainda repousava em sua face e entrelaçou os dedos naquela também. – Pode dizer que nunca me odiaria, mas o que falei nunca foi e nem será verdade. Eu estava irritada com Nicolas, mas quando você bateu nele... Meu cérebro deu um branco e as palavras somente escorregavam da minha boca. Quando dei por mim, você estava de joelhos chorando – ela fungou e duas lágrimas desceram pelas suas bochechas.

– Achei que tinha perdido a melhor amiga da minha vida e também... – ela parou de falar na hora e deu um pequeno soluço. Sorriu e soltou minhas mãos passando elas no rosto. – Desculpe, estou insistindo nisso quando já resolvemos tudo.

– Também o que, Sara? – eu falei com um tom suave e ela balançou a cabeça.

– Não é nada, estou apenas sendo emocional – ela riu, mas eu não. – Qual é, Rexy? Está tudo bem mesmo, te juro. Nossa briga apenas me deixou abalada pra caramba e eu tinha que te pedir desculpas mais uma vez.

Não sou burra e eu sei que ela ia me falar mais alguma coisa, entretanto, vi que não chegaríamos a lugar algum já que ela se recusava a falar. Eu dei um abraço forte nela e disse que não tinha que se desculpar e que este assunto estava realmente acabado, nunca mais voltaríamos a falar nisso.

Assim que terminei de arrumar as sacolas para eu levar para a minha casa, eu disse que ela não precisava me acompanhar até a porta e ela agradeceu já que corria o risco de encontrar seu irmão e se isso acontecesse com ela com os olhos todos inchados não seria bom.

Sai do quarto dela e desci as escadas tranquilamente. Cheguei ao pé da escada e já o vi.

Estava deitado no sofá com a televisão desligada. Não dava pra ver da escada se tinha o celular em mãos ou se estava dormindo, mas só para garantir tentei fazer meu passo o mais silencioso possível. Depois de atravessar a metade da sala eu pude ver que ele estava com headphones e com os olhos fechados. Eu não conseguia dizer se ele só estava escutando música ou dormindo e porque nem me aproximei do sofá.

Eu fui tomando cuidado para a sacola não bater no chão com todos aqueles cadernos dentro e olhei para ele. Sua respiração estava profunda e ritmada então deduzi que estava realmente dormindo.

O cabelo dele estava solto e eu podia ver que ele era um pouco mais escuro do que o de Sara, mas não muito e também chegava a ser um pouco maior. Sua feição ficava bem diferente quando não estava sorrindo ironicamente; quando estava apenas assim, relaxada, parecia uma pessoa completamente diferente. Dava pra notar também alguns fios de barba no queixo dele e, subindo um pouco o olhar, vi que seus cílios eram longos.

Pisquei e vi que o celular dele estava com a tela virada para cima. Estiquei minha mão e dei duas cutucadas de leve na tela que acendeu e mostrou a música que estava tocando. Uma de uma das minhas banda preferidas. Sara não gostava muito daquela, por que as letras não lhe faziam o gosto. A música que escutava era a que falava "fuja, fuja, eu irei atacar".

Uma das minhas preferidas também.

Fiquei apenas um pouco surpresa, já que esta banda fazia um pouco do estilo dele. Suspirei e teria puxado minha mão e saído dali se ele não tivesse me segurado pelo pulso. Senti o formigamento de antes e na mesma hora tentei puxar meu braço.

– O que está fazendo?

– Nada – eu respondi e puxei meu braço de novo, mas ele ainda de olhos fechados sorriu de lado. – Eu disse nada! Larga meu braço, Nicolas!

– É feio ficar bisbilhotando... Rexy.

– Já falei que não tem o direito de me chamar assim, porra – eu comecei a ficar irritada e ele riu me soltando.

Ele se sentou no sofá e tirou os headphones. Bocejou e se levantou, ficando de frente para mim, coisa que eu odiava que fizesse já que a diferença de altura entre nós não era tão pouca. Fechei a cara e lá estava ele com o sorrisinho irônico.

– Achei que dormiria aqui com a minha irmãzinha.

– Tenho coisas pra fazer em casa, babaca – eu revirei os olhos. – Agora se me dá licença – virei minhas costas para ele.

– Não dou, não – ele deu um passo largo e se colocou na minha frente de novo.

Eu soltei um suspiro de frustração e lembrei-me do que Sara tinha me dito. Já que eu estava ali nada melhor do que fazer a pergunta que me "atormentava".

– Sara me disse que você a fez ir ao meu apartamento – eu disse tentando manter um tom de voz baixo. – Por quê?

– Que? – ele franziu a testa e em milésimos de segundos entendeu o que eu quis dizer. – Ata... Isso. Você parecia um lixo quando conversamos e minha irmã estava mais lixo do que você, então a fiz resolver logo a situação. Não é o que irmãos mais velhos fazem? – ele piscou pra mim.

– Ah, agora você é o "irmão mais velho" – eu soltei um riso de escárnio. – Até dias atrás você a menosprezou, humilhou e magoou e agora paga do irmão mais velho. Deixe de ser cínico, Nicolas – eu revirei os olhos. – Agora me dá licença.

– Quando as aulas começam? – ele perguntou me ignorando.

– Em alguns dias – eu bufei. – Por que quer saber?

– Sara não me falou quando eu perguntei.

– Aí está ele novamente! O bom irmão mais velho! Está magoado que a irmãzinha o ignora – eu sorri sarcástica para ele e aproveitei para chegar até a porta da frente até ser parada com a mão na maçaneta.

– Eu realmente estou arrependido – a voz dele estava baixa e eu posso jurar que a escutei falhar no final.

– E eu realmente não acredito – eu revirei os olhos e saí da casa sem olhar para trás.

Dizer isso não foi tão fácil quanto imaginei.

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