I. A despedida

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 Joana

Quando acordo, reparo que a casa está silenciosa. Sento-me na beira da cama e observo as malas de viagem à minha frente já prontas. Ainda não acredito que iria partir para longe deste país, de tudo que me é conhecido... Reparo no relógio de pulso pousado na mesa-de-cabeceira, 6:04 da manhã. Sei que não devia mas quero dar uma volta pela última vez. Relembrar-me de momentos da vida que passei, só para garantir que partir para o desconhecido talvez não seja algo mau.

Levanto-me e vou tomar banho, trazendo comigo a roupa que vou vestir hoje. Tento movimentar-me de uma forma rápida e silenciosa, visto que não quero a Liliana, filha da minha madrasta, que está ao lado da minha capa a dormir.

Depois de vestida, calço-me, meto o relógio no pulso direito. Recolho as chaves de casa, auscultadores e telemóvel. Reparo que tenho uma mensagem de Marta.

"Espero que a viagem a Londres corra bem. Vamos ter muitas saudades tuas, bem... Eu vou ter saudades das nossas brincadeiras e patetices. Vê pelo lado positivo! VAIS PARA LONDRES! Existe lá pessoas muito interessantes, tenho a certeza que te darás bem ;D Beijinhos! Boa viagem!"

A Marta era uma boa amiga, uma rapariga muito engraçada, com um grande humor. Anda sempre alegre. A mensagem que ela me mandou não me fez sentir bem, na realidade fiquei pior do que já estava. Na minha escola eu era daquele tipo de pessoas que passava despercebida, com poucos amigos, mas boas pessoas. Adorava os meus momentos com a Marta por serem bastante divertidos, sempre animar-me, mas hoje ela falhou...

Quando abro a porta para sair do quarto, encontro o cão mais feio do mundo. De testa achatada, pêlo curto, olhos redondos, com um nariz expressivo e com a impressão de estar um ar carrancudo. O meu pai insistiu em levá-lo porque ele já está entre nós há algum tempo, mesmo antes da companheira do meu pai entrar aqui em casa. Ele começa a ladrar.

-Sshh, vai embora!- ordeno com urgência, pois alguém poderia acordar.

Fecho a porta e caminho em direcção à porta de saída, com sucesso. Começo a descer as escadas do prédio. Apenas espero não encontrar ninguém, estou sem paciência para conversar ou até mesmo saudar as pessoas com um "Bom Dia", pois este certamente não é um dos meus bons dias e eu não quero que toquem no assunto "viagem"...

Àquela hora, a rua costuma estar silenciosa e só alguns carros é que passavam. Meto os auscultadores nos meus ouvidos. Visto que não estava ninguém à vista, começo a cantar de uma forma que não se ouça a distâncias longas.

Caminho.

Esta táctica de ouvir música enquanto passeio faz-me pensar nas coisas e tentar organizá-las na minha cabeça.

Deito-me na relva, por um momento fecho olhos e paro a música. Consigo ouvir o vento, os carros que passam de vez em quando, pássaros que cantam pelo nascer do sol e... Um avião. Suspiro.

Eu não me importo de deixar as pessoas que conheço para trás. Sinto mal a pensar desta forma, mas não conheço alguém suficientemente importante para mim que imediatamente tenha falta ou saudades. Apenas o meu pai se encaixa nessa área.

-Olá, Joaninha- cumprimenta Afonso. Sou apanhada pelo susto. Nem me apercebi que alguém se tinha aproximado.

-Olá... Obrigada pela inesperada entrada- comento de uma forma amarga. O meu verdadeiro nome é Joana, mas isso é evidente. E não gosto que me chamem "Joaninha".

-Eu ia mandar-te mensagem, estava a caminha de tua casa.- informa Afonso.

A estas horas?

Afonso tira do seu bolso uma pulseira, metendo-a no meu pulso.

-Oh, é linda, obrigada!- respondo. Afonso abraça-me.- Mas vamos conversando pelas redes sociais, certo?

Acho que vou associar a esta pulseira a tudo aquilo que deixei em Portugal durante os meus 16 anos de vida. Claro que irei ter oportunidade de regressar cá nas férias, mas a minha vida em breve será em Inglaterra.

O Afonso era a única pessoa que às vezes tinha confiança para expressar algumas coisas que sentia. Eu não sei se ele me compreendia, nunca fui muito boa a expor algo. Todos temos defeitos, mas ele aceitava os meus de uma boa forma e não desistia de falar comigo. Somos amigos desde crianças, talvez também seja por isso... Habituamo-nos à companhia um do outro.

-Não não te vês livre de mim tão facilmente porque eu vou estar sempre em contacto para o que precisares. Nem que seja apenas eu a mandar-te uma mensagem ou telefonar.- Responde Afonso com um sorriso nos lábios e eu não evito de fazer o mesmo.

Ficamos a falar durante algum tempo. Conversar com ele era muito fácil e animou-me, apesar de ser hoje a minha partida. O meu pai escolheu partirmos hoje visto que se está a aproximar o começo das aulas e ainda queria que nós nos adaptássemos à cidade. Não sei se algum dia poderei sentir que pertenço lá. No entanto, compreendo que teremos uma vida melhor em Londres com a proposta de trabalho do meu pai. A verdade é que eu tinha a escolha de ficar cá, mas não teria ninguém...

Olho para o meu relógio de pulso. Quase 7 horas. Levanto-me instantaneamente, já todos devem estar acordados e preocupados. Terei de regressar e despedir-me do Afonso...

-Tenho de ir! Já todos devem ter acordados e provavelmente estão preocupados! – Digo rápido. Dou um beijo na bochecha de Afonso e estou pronta para dar um passo quando ele me agarra no pulso. Olho para os olhos dele. Mostram melancolia.

-Eu não te vou esquecer...- Puxando-me para si, abraça-me novamente por uma última vez. Desfrutei o quanto podia daquele gesto. A verdade, é que sempre que alguém me abraça, sinto uma certa invasão do me espaço pessoal.

Por fim afasto-me, lanço-lhe um sorriso e volto a casa.

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