Capítulo 2

1.2K 125 64
                                    


Harlem, Nova York – 27 de Novembro de 1971.

Os olhos negros iguais aos de jabuticabas foram fechados com força como se assim fosse capaz de afastar todo o mau que vinha se consumando no quarto ao lado do seu. Os gritos e as suplicas eram quase que sentidas em sua pele, sabia que assim que elas cessassem os seus gritos ecoariam até que o cansaço tomasse conta do corpo do homem que infligia toda essa dor.

Rita tem apenas dezesseis anos e passou por tormentos demais. Os suficientes para toda uma vida. Seu pai nunca foi um homem confiável, vivia entrando e saindo de presídios e seu problemas com bebidas só agravavam ainda mais a situação. Sua mãe não era muito diferente do homem que acabou se algemando. Eram pessoas sem perspectiva, inúteis e faziam da vida de Rita um completo inferno. 

A menina já havia procurado a ajuda no serviço social, porém não lhe deram ouvidos e pior a surra que levou assim que o agente social deixou a sua casa ainda estava marcada por todo o seu pequeno corpo. Se não fosse pelos maus tratos Rita seria uma negra linda, mas não era assim. Era arredia e arisca vivia se metendo em confusão no colégio. Foi à forma que aprendeu de se proteger, basicamente vivia isolada.

Ainda não havia neve naquela noite escura de novembro, o ar estava congelante e Rita cansada. Não estava totalmente curada das investidas do pai na noite anterior e hoje parecia que seria pior, devido aos gritos que sua mãe emitia.

Abriu os olhos. Pegou tudo que pode e colocou em sua mochila. Abandonou seu quarto pela pequena janela que dava para as escadas de emergência do conjunto habitacional em que morava. Teria de deixar para trás aquelas duas pessoas que deviam lhe proteger e amar e se aventurou em um mundo desconhecido sem saber ao certo o que fazer e como agir, apenas queria ficar o mais longe que conseguisse dali.

Caminharia por horas pelo bairro a esmo, sem saber que direção tomar, à medida que avançava e ia se afastando de casa os rostos ficavam cada vez mais desconhecidos. Sentiu fome. Sua última refeição fora na escola. Era sempre assim, raramente tinha algo para comer em casa.

Buscou em seu bolso por dinheiro e entrou em uma lanchonete pediu um sanduiche. Apreciou cada pedaço, sabia que demoraria em ter outra refeição como essa. Ficou o maior tempo que pode dentro da lanchonete até ser expulsa por não estar consumindo mais nada e de lá caminhou até o metrô. Não era a primeira vez que passava a noite escondida ali já havia feito essas tentativas de fugas algumas vezes e sempre seu pai a encontrava, torcia para que dessa vez a deixasse em paz.

O barulho das pessoas se aglomerando para irem até seus trabalhos acordaram Rita. Havia um pouco de confusão em sua mente, esfregou os olhos e abandonou sorrateiramente seu esconderijo. Usou o banheiro do metrô para se arrumar, colocou a mochila pesada nas costas e caminhou até o seu colégio.

Precisava falar com um colega que morava já algum tempo nas ruas, ele que diversas vezes a incentivava de abandonar aquele sofrimento e ir embora. Sabia que ele morava em um prédio abandonado, mas eram tantos e todos estavam tomados por pessoas assim como ela, sem esperança só que muitos deles eram ocupados por pessoas piores que seus pais. Precisava de um abrigo seguro e se fosse até o serviço social seria encaminhada novamente para casa, estava sozinha se quisesse sobreviver àquelas pessoas terríveis.

Apenas uma quadra do colégio pode ver seu pai a espreita do outro lado da rua. Sentiu um arrepio na espinha, sabia que ele estava ali a aguardando e quando colocasse suas mãos nela a surra seria memorável. E agora o que fazer? Precisava encontrar-se com Wellington, mas com seu pai ali seria imprudência. Colocou-se a correr para o mais longe que conseguiu, teria que encontrar com o rapaz em outro lugar e foi então que lembrou que o menino fazia uns bicos na grande fábrica e para lá Rita foi. O aguardaria o dia inteiro se fosse preciso.

Amargos Segredos [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora