SENTEI NA CAÇAMBA DO CAMINHÃO, ME APOIANDO
ENTRE um saco de farinha de trigo e um barril de algum líquido que
jorrava para lá e para cá. Meu coração estava disparado. Eu não sabia que
tipo de barulho meu pouso tinha feito, mas o motorista não tinha
encostado o carro e sequer diminuído a velocidade. Depois de alguns
minutos me senti segura o suficiente para tentar dar uma espiada e
reconhecer a redondeza.
Lá na frente, iluminado contra o céu que amanhecia, surgia o
contorno de um palácio com torres. O reflexo de luzes de carvão brilhava
nas janelas da construção. Eu a reconheci imediatamente: Hampton Court.
Eu me lembrava daquele palácio como sendo a residência de
Henrique VIII e de todas as esposas dele, uma atração turística antes dos
Dezessete Dias. Mary e eu costumávamos visitá-lo com nossas governantas,
Rita e Nora, quando éramos pequenas. Nós navegávamos pela cidade no
Barco Real, seguindo as margens verdes do rio e acenando para quem nos
observava enquanto passávamos. Era o que mais gostávamos de fazer no
verão. Nós nos vestíamos com vestidos brancos e chapéus de palha de abas
largas. E o palácio era fechado para o público, a fim de que pudéssemos
ficar no jardim tomando chá gelado com bolinhos.
Quando passamos pelo portão da frente, me escondi embaixo de um
saco de farinha. Mesmo que o exército de Hollister estivesse precisando de
novos recrutas, eu duvidava que eles iriam gostar de descobrir um
passageiro clandestino no caminhão de mantimentos.
O caminhão diminuiu a velocidade e parou. Esperei ouvir os passos
do motorista desaparecem na direção da entrada, mas em vez disso ouvi-o
se aproximar dos fundos do veículo. Segurei a respiração.
— O que temos aqui? — um homem com cabelo sujo e cacheado e
um nariz torto afastou os sacos para o lado, revelando meu esconderijo. Ele
sorriu para mim com a boca cheia de dentes quebrados.
— Estou aqui para me alistar no exército — eu disse, forçando a
voz para parecer mais forte, dura e neutra.
— Na caçamba de um veículo de serviços alimentares? Isso me
parece mais roubo.
— Por favor — eu implorei rapidamente. — Está frio aqui fora e eu
estava caminhando desde Londres. Pode checar: não toquei em nada.
O guarda me olhou de uma maneira estranha. Percebi o olhar dele
percorrendo meu rosto, meu peito e minhas pernas. Congelei. Será que ele
tinha me reconhecido?
— Bom, você está com sorte — ele falou. — Não existe alistamento
aos domingos. Em geral, você teria que voltar amanhã de manhã. Mas, como
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Última Princesa
Teen FictionUma série de desastres naturais dizimou a terra. Afastada do resto do mundo, a Inglaterra é um lugar sombrio. O sol raramente brilha, a comida é escassa e grupos de criminosos perambulam pelas florestas, buscando caça. As pessoas estão ficando indóc...