QUANDO ENTREI NO DORMITÓRIO, LOGO VI QUE ALGO
ESTAVA errado. Todas as garotas, menos Vashti, estavam reunidas em um
círculo no centro do quarto, mas não havia cartas à vista. O ar parecia
espesso por conta de uma estranha sensação de espera.
— Eu estou realmente começando a me perguntar sobre você —
Portia anunciou, falando lentamente, como se cada palavra fosse um doce
que ela queria saborear. — Você ainda não começou minha estola de
raposa. Na verdade, acho que você nem sabe costurar. Você não sabe
limpar. Seu sotaque vem e vai, de escocês para o de um membro da
aristocracia londrina — ela disse a última frase fazendo uma imitação
aguda da minha voz e todo mundo riu. Depois a voz dela baixou uma
oitava. — Honestamente, não sei o que o Sargento Wesley vê em você. Ele
já tinha se envolvido com recrutas antes, mas não assim.
Continuei parada, sem sequer mudar o peso do corpo de perna ou
tirar, por um segundo que fosse, os olhos de Portia. Meu coração batia
Tub tomou partido de Portia.
— Você é uma espiã da Resistência?
Portia revirou os olhos e então andou para a frente, a fim de me
segurar o queixo, girando meu rosto de forma a me obrigar a olhá-la nos
— Duvido que ela seja esperta o suficiente para ser uma espiã. Isso é
só uma menina idiota que nem sequer consegue seguir ordens simples —
todo mundo riu de novo. Ela chegou mais perto, segurando meu queixo
com mais força, e se inclinando para sussurrar algo no meu ouvido, de
forma que só eu pudesse ouvir. — Me diga: por que você está aqui?
— Estou aqui para lutar pela Nova Guarda — eu respondi alto.
— Está mesmo? Então por que você hesitou quando esteve face a
face com um membro da Resistência na Noite da Morte? Você é pró-
Resistência ou só é covarde mesmo?
— Estou aqui para lutar pela Nova Guarda — eu repeti, meu rosto
como se fosse de pedra, impassível.
Portia soltou meu queixo.
— Então prove.
Dei um passo para trás.
— O quê?
— Prove! — ela repetiu.
Portia puxou a manga direita do uniforme. No antebraço pálido
dela havia a tatuagem de uma sevilhana e de uma espada cruzadas. Antes
que eu soubesse o que estava acontecendo, Tub e June me seguraram pelos
braços. June enfiou o joelho nas minhas costas. Portia ficou ao lado dela,
segurando meus pulsos e amarrando-os bem apertado com uma corda.
Elas me levaram para o banheiro. Enquanto Portia pegava uma
longa tesoura de uma prateleira, me senti perdendo o chão sob os pés.
Ela segurou minha nuca. Eu não emiti um único som — não ia dar
esse gostinho a elas. Senti a lâmina gelada da tesoura no meu couro
cabeludo e ouvi o som de corte, depois vi mechas do meu cabelo caindo
como chuva no chão do banheiro.
Portia me empurrou para a frente de um espelho.
— O que você acha?
Meu cabelo havia sido cortado bem rente. Tão rente que meu couro
cabeludo aparecia.
Tub e June se contorceram de tanto rir, segurando a barriga, o rosto
vermelho.
— O Sargento Wesley certamente não vai mais flertar com você —
June zombou.
Quando me olhei no espelho, o que mais me chocou não foi o cabelo
curto demais, cortado de qualquer jeito, mas a desolação estampada nos
meus olhos. Eu era uma sombra do que fora um dia.
— Adorei — eu disse, me virando para Portia e para as outras. —
Estava querendo mesmo cortar o cabelo.
Mas meu sarcasmo só a enfureceu. O rosto bonito de Portia tornou-
se contorcido e vermelho.
— Ainda não terminei — ela retrucou. — June, segure ela no chão.
June me jogou no chão e acabei batendo a parte de trás da cabeça no
mármore. Ela me segurava pelos ombros enquanto Tub sentava nas minhas
pernas. Com o peso das duas, era impossível me mexer. Eu chutava e me
contorcia selvagemente, mas então June puxou sua sevilhana e a colocou no
meu peito, de forma que, se eu me mexesse um centímetro sequer, a lâmina
cortaria minha pele. Cerrei os punhos.
Com o canto dos olhos, vi Portia em pé ao lado do caldeirão de água
que ficava em cima do carvão. Ela estava abrindo um cabide de arame com
as mãos para que ficasse reto. Então colocou-o sobre o carvão em brasa.
— Por favor, me larguem — eu implorei, odiando o som
desesperado da minha voz, mas sem conseguir me segurar. — Por favor, me
soltem.
— Segurem ela! — Portia gritou. Ela olhava para os carvões
incandescentes de forma assustadora. As chamas refletiam nas pupilas
escuras dos olhos dela. Portia sorriu para as chamas, aproveitando o
momento.
Não nos meus olhos, eu rezei. Não deixe ela me cegar.
Ela tirou o arame em brasa do fogo, segurando-o na frente do meu
— Fique parada — ela ordenou. — Se eu estragar, vou ter que fazer
de novo.
Então ela se abaixou do meu lado, segurando o arame vermelho e
brilhante na mão.
Primeiro senti o calor, como quando se aproxima um dedo no fogo.
Depois, quando Portia pressionou o arame quente contra minha bochecha,
senti o ardor. Meu corpo se curvou para cima com a dor. Eu me contorcia
para me libertar, o que apenas fez com que Tub batesse minha cabeça no
chão. A dor da queimadura fisgava todo meu corpo como nada que eu
tivesse sentido antes. Alguém gritou, provavelmente eu. O banheiro ficou
vermelho, depois preto. O último som que ouvi foi o eco das risadas das
garotas.
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A Última Princesa
Teen FictionUma série de desastres naturais dizimou a terra. Afastada do resto do mundo, a Inglaterra é um lugar sombrio. O sol raramente brilha, a comida é escassa e grupos de criminosos perambulam pelas florestas, buscando caça. As pessoas estão ficando indóc...