Capítulo 16

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QUANDO ENTREI NO DORMITÓRIO, LOGO VI QUE ALGO

ESTAVA errado. Todas as garotas, menos Vashti, estavam reunidas em um

círculo no centro do quarto, mas não havia cartas à vista. O ar parecia

espesso por conta de uma estranha sensação de espera.

— Eu estou realmente começando a me perguntar sobre você —

Portia anunciou, falando lentamente, como se cada palavra fosse um doce

que ela queria saborear. — Você ainda não começou minha estola de

raposa. Na verdade, acho que você nem sabe costurar. Você não sabe

limpar. Seu sotaque vem e vai, de escocês para o de um membro da

aristocracia londrina — ela disse a última frase fazendo uma imitação

aguda da minha voz e todo mundo riu. Depois a voz dela baixou uma

oitava. — Honestamente, não sei o que o Sargento Wesley vê em você. Ele

já tinha se envolvido com recrutas antes, mas não assim.

Continuei parada, sem sequer mudar o peso do corpo de perna ou

tirar, por um segundo que fosse, os olhos de Portia. Meu coração batia

Tub tomou partido de Portia.

— Você é uma espiã da Resistência?

Portia revirou os olhos e então andou para a frente, a fim de me

segurar o queixo, girando meu rosto de forma a me obrigar a olhá-la nos

— Duvido que ela seja esperta o suficiente para ser uma espiã. Isso é

só uma menina idiota que nem sequer consegue seguir ordens simples —

todo mundo riu de novo. Ela chegou mais perto, segurando meu queixo

com mais força, e se inclinando para sussurrar algo no meu ouvido, de

forma que só eu pudesse ouvir. — Me diga: por que você está aqui?

— Estou aqui para lutar pela Nova Guarda — eu respondi alto.

— Está mesmo? Então por que você hesitou quando esteve face a

face com um membro da Resistência na Noite da Morte? Você é pró-

Resistência ou só é covarde mesmo?

— Estou aqui para lutar pela Nova Guarda — eu repeti, meu rosto

como se fosse de pedra, impassível.

Portia soltou meu queixo.

— Então prove.

Dei um passo para trás.

— O quê?

— Prove! — ela repetiu.

Portia puxou a manga direita do uniforme. No antebraço pálido

dela havia a tatuagem de uma sevilhana e de uma espada cruzadas. Antes

que eu soubesse o que estava acontecendo, Tub e June me seguraram pelos

braços. June enfiou o joelho nas minhas costas. Portia ficou ao lado dela,

segurando meus pulsos e amarrando-os bem apertado com uma corda.

Elas me levaram para o banheiro. Enquanto Portia pegava uma

longa tesoura de uma prateleira, me senti perdendo o chão sob os pés.

Ela segurou minha nuca. Eu não emiti um único som — não ia dar

esse gostinho a elas. Senti a lâmina gelada da tesoura no meu couro

cabeludo e ouvi o som de corte, depois vi mechas do meu cabelo caindo

como chuva no chão do banheiro.

Portia me empurrou para a frente de um espelho.

— O que você acha?

Meu cabelo havia sido cortado bem rente. Tão rente que meu couro

cabeludo aparecia.

Tub e June se contorceram de tanto rir, segurando a barriga, o rosto

vermelho.

— O Sargento Wesley certamente não vai mais flertar com você —

June zombou.

Quando me olhei no espelho, o que mais me chocou não foi o cabelo

curto demais, cortado de qualquer jeito, mas a desolação estampada nos

meus olhos. Eu era uma sombra do que fora um dia.

— Adorei — eu disse, me virando para Portia e para as outras. —

Estava querendo mesmo cortar o cabelo.

Mas meu sarcasmo só a enfureceu. O rosto bonito de Portia tornou-

se contorcido e vermelho.

— Ainda não terminei — ela retrucou. — June, segure ela no chão.

June me jogou no chão e acabei batendo a parte de trás da cabeça no

mármore. Ela me segurava pelos ombros enquanto Tub sentava nas minhas

pernas. Com o peso das duas, era impossível me mexer. Eu chutava e me

contorcia selvagemente, mas então June puxou sua sevilhana e a colocou no

meu peito, de forma que, se eu me mexesse um centímetro sequer, a lâmina

cortaria minha pele. Cerrei os punhos.

Com o canto dos olhos, vi Portia em pé ao lado do caldeirão de água

que ficava em cima do carvão. Ela estava abrindo um cabide de arame com

as mãos para que ficasse reto. Então colocou-o sobre o carvão em brasa.

— Por favor, me larguem — eu implorei, odiando o som

desesperado da minha voz, mas sem conseguir me segurar. — Por favor, me

soltem.

— Segurem ela! — Portia gritou. Ela olhava para os carvões

incandescentes de forma assustadora. As chamas refletiam nas pupilas

escuras dos olhos dela. Portia sorriu para as chamas, aproveitando o

momento.

Não nos meus olhos, eu rezei. Não deixe ela me cegar.

Ela tirou o arame em brasa do fogo, segurando-o na frente do meu

— Fique parada — ela ordenou. — Se eu estragar, vou ter que fazer

de novo.

Então ela se abaixou do meu lado, segurando o arame vermelho e

brilhante na mão.

Primeiro senti o calor, como quando se aproxima um dedo no fogo.

Depois, quando Portia pressionou o arame quente contra minha bochecha,

senti o ardor. Meu corpo se curvou para cima com a dor. Eu me contorcia

para me libertar, o que apenas fez com que Tub batesse minha cabeça no

chão. A dor da queimadura fisgava todo meu corpo como nada que eu

tivesse sentido antes. Alguém gritou, provavelmente eu. O banheiro ficou

vermelho, depois preto. O último som que ouvi foi o eco das risadas das

garotas.

A Última PrincesaOnde histórias criam vida. Descubra agora