03 - Surpresas

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O clima estava ameno, não ventava e a leve brisa que passava por entre nós bagunçavam os fios rebeldes da minha cabeça. Minhas lágrimas pareciam já ter sido esgotadas e eu só sabia fitar o lugar de descanso de minha mãe, com pesar no coração.

O enterro da minha mãe foi algo silencioso. Como minha mãe e meu pai nunca haviam citado algum parente, fomos somente eu e meu pai. E, depois de alguns segundos que coveiro cobriu o seu túmulo com a terra fresca, o mesmo se retirou impaciente. Ainda não havíamos trocado nenhuma palavra desde que eu encontrei minha mãe sem vida, no chão da sala, e ele agia de uma forma natural, como se nada tivesse acontecido.

Assim que ele se retirou, eu me sentei ao lado da terra recém depositada. Não havia comprado flores, afinal eu não tinha nenhum dinheiro. Quem passasse por ali, pensaria que era somente um monte de terra remexida. Aquilo me magoava, saber que meu pai não havia dado dinheiro nem para um ramo de flor ou para uma lápide.

Me encolhi, passando os braços envolta de meus joelhos e os puxando para mais perto de mim, sentindo o orvalho umedecer minha calça jeans. Funguei, sentindo os raios de sol aquecerem minha pele enquanto eu fitava o nada sem saber o que fazer.

Desde criança eu sabia que não tinha tios ou tias. Nunca entendia o motivo, porém meus pais sempre diziam que eles não existiam. Que era somente nós três e estávamos bem assim. Como eu nunca havia tido contato com nenhum deles, eu não me importava. Mas, quando eu via as pessoas contando sobre os natais em família, sobre os tios e padrinhos eu me sentia um pouco chateada por não ter nada para contar. Eu criava hipóteses em vão, me indagando sobre como alguém não pode ter família e o que poderia ter acontecido para isso. Afinal, eles deveriam sim ter algum irmão ou tio. Talvez, eles estariam me apoiando naquele momento, ou não.

O barulho das folhas se quebrando foi ficando mais próximo e como as mesmas também estava umedecidas era um mísero barulho. Levantei-me com um sentimento ruim, como se alguém estava a me olhar. O mesmo homem que eu havia visto aquele dia na rua com o grupo de estranhos, na frente da minha casa, nos meus sonhos, o que atormentou minha mente por horas estava lá caminhando em minha direção. Ele me fitou por um momento com os olhos vazios e frios e em seguida deu as costas para mim, fitando um túmulo de mármore.

De novo eu estava me encontrando com ele. Mas isso já estava passando dos limites de estranheza e eu precisava saber quem era ele, e porque ele sempre estava onde eu estava. Não poderia ser coincidência. Sempre com a mesma expressão e sempre me olhando com o mesmo olhar frio. Eu já estava ciente que estava no mundo real e o máximo que ele poderia ser é um psicopata.

Comecei a caminhar rapidamente, seguindo o corredor de pedras em direção a saída do cemitério, sabia que ali ninguém poderia me ajudar. Que era uma presa fácil para qualquer pessoa com más pensamentos.

Esperei por um tempo um ônibus passar receosa e angustiada, fitando sempre o portão de saída para ver se o homem não saia dali. Eu precisava ficar atenta. E assim que o ônibus apareceu eu consegui respirar com mais alívio. O cemitério para mim não era um lugar ruim e obscuro. Não me trazia sentimentos ruins, nem nada. Era somente um lugar onde eu poderia chorar e pensar... ser quem eu realmente queria ser. Demonstrar o que estava dentro de mim. Me despedi dali, com um vazio no coração. Como iriam ser as coisas dali em diante?

                                                                          §§§

O ônibus passou por vários pontos da cidade que eu não conhecia. Grandes prédios iluminados e coloridos, pessoas diferentes e bem arrumadas. Era diferente ver tudo daquela maneira, eu estava encantada com tamanha diversidade. E a cada vez que eu reconhecia que estávamos adentrando uma parte pobre e simples da cidade eu me sentia em casa. Porém, não era um sentimento alegre. Aquela casa me trazia um mal-estar. Um medo que eu até então não tinha.

Noites SombriasOnde histórias criam vida. Descubra agora