Ele

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O tempo finalmente tinha firmado. Não estava calor, era impossível sentir calor em dezembro. Mas pelo menos tinha parado de nevar. Geralmente eu ia para a casa dos meus pais nas festas de fim de ano, mas resolvi voltar um pouco mais cedo. A superlotação do Natal tinha sido o suficiente para mim. Estava sentindo falta de treinar, correr. Realmente não tinha nascido para ficar enclausurado em uma casa de campo.

Daqui a dois dias seria ano novo. Meus colegas de time haviam me convidado a ir para uma festa privada na casa de um deles. Estava considerando essa possibilidade, ninguém deveria passar o réveillon sozinho. Se eu ficasse em casa, meu ano ia virar a base de macarrão instantâneo e FIFA.

O parque estava lotado, como eu esperava que tivesse em um primeiro dia sem neve em muito tempo. Não queria ser reconhecido. Era o problema de ser campeão do mundo, até quem não acompanhava futebol, sabia quem você era.

Há algum tempo atrás, descobri uma parte do parque perto do meu apartamento que ninguém visitava. A pista de corrida não era tão boa como a da área principal, mas para quem queria o isolamento, era uma boa saída.

Várias árvores ao meu redor faziam sombra, diminuindo um pouco a sensação térmica, mas nada que o calor do exercício não compensasse. Quando cheguei em uma das saídas da pista, avistei que tinha uma pessoa sentada em um banco. Pensei que poderia ser algum conhecido, afinal, só quem também queria se isolar vinha para essa parte do parque. Mas não era.

Observei ela ao longe. Seu cabelo castanho avermelhado, preso em um rabo de cavalo bagunçado. Era uma região pequena, e eu nunca a tinha visto. Com certeza não era daqui. Ela digitava sem parar em um notebook, concentrada demais para perceber qualquer coisa que acontecia ao seu redor. Não tive como não sorrir.

Ela estava sentada sozinha em um banco do parque, tinha algumas árvores em volta, mas nenhuma outra pessoa há metros de distância. Sei que provavelmente era bem errado eu ficar olhando para ela assim, mas alguma coisa me atraía para aquela garota e eu estava me controlando para não é até ela perguntar o que ela tanto escrevia.

Tinha ido até o parque para correr um pouco, tirar a cabeça de todos os problemas que estava. Todo mundo achava que ser jogador de futebol era uma coisa glamorosa, porém por trás da fama havia muitos desafios que ninguém conhecia.

Desliguei meu ipod e resolvi ir falar com a garota. Se alguém tivesse passado por mim acharia que eu era um sociopata observando a garota sem parar. E seria pior se fosse algum paparazzo ou alguém que poderia me reconhecer.

Respirei umas três vezes tomando coragem. Desde quando eu tinha dificuldades de conversar com mulheres?

Me aproximei fazendo o máximo de barulho possível. Não queria assustá-la. Mas só quando cheguei perto que percebi que ela estava com um fone de ouvido tocando músicas em um volume tão altas quanto as minhas. Reconheci a batida como sendo alguma do Paramore, apesar de não conhecer a música. Reconheceria a voz da Hayley Williams em qualquer lugar.

Não queria encostar nela, mas mesmo estando parado ao seu lado, ela não percebeu a minha presença. Estava sentada com as pernas esticadas no banco com encosto, resolvi sentar de frente para ela e aguardar ela me notar.

De frente eu percebi o quanto ela era diferente. Com certeza não era daqui. Seus traços finos denunciavam que ela era estrangeira. Sobrancelhas grossas, que desenhavam seu rosto, criando uma harmonia com o fino nariz. Seus olhos cor de areia, concentrados no notebook em seu colo, onde ela não parava de digitar. Sua boca estava em linha reta, mostrando o quanto ela estava concentrada no que quer que ele estivesse fazendo.

Alguns minutos depois ela notou a minha presença. Levantou as sobrancelhas surpresa e retirou os fones de ouvido. Abriu a boca para falar algo mas fechou. Talvez se lembrou que não estava em seu país e não falasse alemão. Ou talvez tenha me reconhecido. De qualquer forma, era estranho um homem desconhecido sentado à sua frente. Eu teria que falar algo.

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