Capítulo 4

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O som da chave na porta de entrada tirou-a do devaneio. Estava calma. Olhou o relógio, apenas oito e meia. Alfonso não era esperado em casa. Dissera que participaria de um jantar de negócios.

Foi até a porta. Alfonso estava de costas e ela percebeu sua tensão pela postura do corpo.

Ele virou-se devagar e a encarou. Depois, desviou o olhar pela sala e viu o telefone fora do gancho. Dirigiu-se ao móvel e colocou a pasta no chão antes de voltar o aparelho no lugar. Anahí notou que a mão dele tremia.

Rachel devia ter lhe telefonado. Com certeza entrara em pânico quando a amiga não atendeu e resolveu contar a Alfonso o que havia feito. Anahí pensou que gostaria de ter ouvido a conversa. As acusações e confissões, condenação e defesa.

Permitiu que ele a olhasse de alto a baixo e, sem uma palavra, virou-se e foi para a sala de estar.

Ele era culpado. Trazia estampado em seu rosto e corpo.

Culpado!

Alfonso preparou-se para enfrentar a esposa, que o esperava com paciência. Anahí sentia-se estranhamente calma, o coração batia compassado e as mãos repousavam no colo.

Alfonso entrou na sala. Estava sem o paletó e afrouxara a gravata. Sem olhar para ela, seguiu direto para o bar onde, entre várias bebidas, estava uma garrafa de seu uísque preferido.

Alfonso: Quer uma dose? -ele perguntou-

Anahí negou com a cabeça. Alfonso percebeu a negativa mesmo sem virar-se e não insistiu. Serviu-se de uma dose dupla e sentou-se numa cadeira na frente dela.

Alfonso: Que amiga leal você tem. -foi como começou o assunto-

"Pena que não possa dizer o mesmo do meu marido", ela pensou.

Os olhos dele estavam fechados. Não conseguia encará-la. Estendeu as pernas fortes na frente do corpo e manteve o copo de bebida seguro no meio das duas mãos. Os dedos eram longos e fortes e as unhas absolutamente limpas. Aliás, tudo nele era limpo e elegante. Tanto o corpo como seus objetos pessoais. Bons ternos, sapatos finos, camisas feitas sob medida e caras gravatas de seda.

A palidez do rosto não diminuiu sua beleza e charme. Alfonso ia fazer vinte nove anos. O amadurecimento dera-lhe uma expressão de força e auto-suficiência. Era um homem bem-sucedido e controlado. Sempre tivera autocontrole, raramente perdia a paciência ou se irritava quando as coisas não aconteciam a seu modo. Possuía a rara virtude de encarar um problema, colocar os pontos negativos de lado e lidar com os positivos.

Provavelmente era o que fazia no momento, procurando descobrir os estragos que o telefonema poderia ter feito a seu casamento e tentando encontrar os aspectos positivos do acontecido.

Esta habilidade fizera com que Alfonso Herrera chegasse à presidência das Empresas Herrera, uma organização que ele criara e que se expandira nos últimos anos, englobando companhias menores, ajustando-as ao mercado para torná-las mais rentáveis e depois vendendo-as com lucro.

Construíra seu império, mantendo os negócios na linha divisória entre o sucesso e o prejuízo, sem, no entanto, colocar sua família e o que conseguira para eles sob qualquer risco. Cercara a família de luxo e mimo.

Alfonso: E agora? -ele perguntou subitamente-

Anahí: Você é quem deve falar.

Com certeza, Rachel ficara apavorada com a reação que a amiga pudesse ter. Talvez imaginasse suicídio ou qualquer outra tragédia. Só o medo a forçaria a contar tudo a Alfonso.

Alfonso: Aquela imbecil! Se não se intrometesse, você seria poupada disso. Já tinha acabado. falou, muito tenso, enquanto apertava o copo nas mãos- Se ela ficasse quieta, logo saberia que estava tudo terminado! Mas não, ela sempre quis acabar comigo, só não imaginei que fosse jogar tão sujo e envolver você! Pelo amor de Deus, diga alguma coisa!

Anahí assustou-se. Alfonso raramente erguia a voz com ela. Percebeu que estivera ali, sentada, como se estivesse em outro mundo.

Anahí: Quero o divórcio. -disse e surpreendeu-se tanto quanto Alfonso, porque tal idéia nunca lhe passara pela mente- Pode sair da casa. Fico aqui com as crianças. Você está rico o suficiente para nos sustentar.

Alfonso: Isto é tolice e não uma resposta! -ele gritou-

Anahí: Não grite! Vai acordar as crianças.

Alfonso levantou-se e encarou Anahí, mas não conseguiu sustentar seu olhar.

Alfonso: Escute... -ele disse, um momento depois, tentando manter o controle- Não aconteceu nada do que imagina ou do que sua "amiga" falou! Foi só uma escapada tola, que terminou antes mesmo de começar. Eu estava sob pressão no trabalho, o caso Dornan poderia pôr a perder tudo o que consegui. Precisava trabalhar dia e noite para ficar na frente dos concorrentes. Você estava se recuperando do parto e, de repente, eu estava passando mais tempo com ela do que em casa. Então os gêmeos tiveram sarampo e você não quis uma enfermeira para ajudar. Estávamos longe a maior parte do tempo. Fiquei preocupado com seu cansaço, com a doença dos gêmeos, com Michael que não dormia mais que meia hora seguida. Não quis sobrecarregá-la com problemas de trabalho...

Alfonso falava de meses atrás, quando tudo que ela achou que poderia dar errado realmente deu. Jamais imaginou que um caso de seu marido com outra mulher também fosse fazer parte de sua lista de problemas!

Alfonso: Anahí... -ele sussurrou- Nunca pensei em trair você! Mas ela estava lá quando precisei de uma companhia e você não...

Anahí: Ah! Chega, pare de falar!

Alfonso tentou aproximar-se e foi impedido. Apesar de não beber, Anahí foi até o bar e, com as mãos trêmulas, preparou um uísque. Virou o copo e fechou os olhos, numa tentativa de não perder o controle.

O coração disparou e não conseguiu respirar direito, o corpo ficou paralisado enquanto o cérebro absorvia a dor e a angústia, e devagar espalhava por todo seu ser, até que ela pensou que fosse morrer.

Alfonso: Terminou Anahí! -ele repetiu angustiado- Pelo amor de Deus, acabou!

Anahí: E quando foi que acabou? Depois daquela maravilhosa noite de amor? Pobre Sara, não sei qual de nós duas foi mais idiota.

Alfonso: Apenas aconteceu. Eu daria tudo para que não tivesse acontecido, mas não posso fazer o tempo voltar. Se ajudar, quero dizer que estou profundamente envergonhado. Juro por Deus que isto nunca mais vai acontecer.

Anahí: Até a próxima vez. -ela murmurou e saiu da sala-

Alfonso: Não! –ele a puxou pelo braço e apertou-a contra o corpo enquanto ela tentava escapar- Vamos conversar até o fim. Sei que está muito magoada, mas temos de esclarecer tudo.

Anahí: Quantas vezes? -ela gritou descontrolada- Quantas vezes você chegou em casa impregnado com o perfume dela? Quantas vezes sentiu-se obrigado a fazer amor comigo depois de ter se deitado com ela?

Alfonso: Nunca! -ele foi veemente e apertou o abraço- Não, Anahí! Nunca! Jamais cheguei a esse ponto. -o sorriso sarcástico dela deixou-o lívido- Eu te amo, Anahí! Amo você!

Por algum motivo a declaração de amor foi a gota d'água, e ela atingiu o rosto dele com uma bofetada.

Surpreso, Alfonso afrouxou o abraço e Anahí escapou. O olhar que ela lançou foi tão cheio de rancor que transformou seu rosto em uma máscara de dor e ódio.

Sem mais uma palavra, saiu da sala e subiu. Na porta do quarto hesitou um momento e foi na direção do quarto de Michael. Ficou imóvel, olhando a criança no berço, imaginando se a dor intolerável que sentia poderia adoecê-la fisicamente.

A Falta que Você me Faz [ADP]Onde histórias criam vida. Descubra agora