Ficamos cerca de dez minutos abaixados, esperando Dimitri esboçar alguma reação, mas ele só chorava em silêncio. Diferente de seu desespero inicial. Colou as pernas contra a própria barriga e se embalava, como uma criança com frio.
"Di, por favor, fala com a gente. Podemos ajudar..."
Nada.
Aquilo era minha culpa. Eu colocara um trauma nele. A batida da música havia despertado suas lembranças. Ele falou de pessoas queimadas e do pai dele. Ele lembrou do holocausto. Dos campos de concentração.
A memória mais traumática dele era a do dia anterior ao da localização do campo de Sondra. Eles e seus amigos já haviam encontrado três campos, lotados de judeus cativos. Após muita troca de tiros e mortes de parceiros eles os libertaram. Já não tiveram tanta sorte no outro campo. Como o cerco da guerra estava se fechando para Hitler - um dos poucos fatos realmente históricos do meu livro -, ele começou a executar os judeus, os queimando ou em banhos ácidos.
Quando Dimitri chegou ao quarto campo de concentração, próximo à sua antiga morada, estava tudo vazio e silencioso. E fedido. Muito fedido. No meio das buscas encontraram uma pequena construção com chaminé, e lá encontraram os judeus... em cinzas. Tantas cinzas que o vento as levava aos seus rostos. E por mais que eu não tenha citado isso em minhas palavras, pela localidade, Dimitri sabia quem era o responsável por aquele campo... seu pai.
O mais incrível (e apavorante) disso tudo é que esse Dimitri vivo é tão parecido com o meu literário, que até coisas que não tem no livro ele demonstra em suas ações. Em sua essência haviam as entrelinhas.
Percebemos que não adiantava perguntar a ele o que estava acontecendo, então, resolvemos tentar, ao menos, sair daquele lugar, antes que ele piorasse.
"Kat, precisamos tirar ele daqui.", expus meus pensamentos a ela.
"Ty? Pode nos ajudar?", ela pediu, gentilmente.
"Hey, cara... Consegue se levantar?", ele pediu a Dimitri.
Nada.
Tyrone olhava para ele como se ele fosse um doente. Um ódio crescente fez minha mão tremer.
"É pra ontem, Tyrone!", vociferei.
"Calma, Brenda! Acho melhor levar ele no médico. Ele tá piradinho.", circulou o indicador envolta da orelha e eu me irritei ainda mais.
'"Ele não tá 'piradinho', ele tem stress pós- traumático. Ele já foi militar. Vai me ajudar ou não?"
Tyrone o olhou, trocando o deboche por piedade e ergueu Dimitri. Ele conseguia andar, mas não tinha direção alguma. Ninguém mais olhava para ele de maneira estranha, já que diversos outros caras já haviam saído bêbados de lá. Tyrone nos levou para fora. Esperamos Kat - que foi como um jaguar até o estacionamento, para trazer o carro até nós. Assim que chegou, Tyrone abriu a porta e colocou Dimitri no banco de trás do carro. Quando eu estava prestes a entrar, senti alguém me puxar pelo braço.
Kevin.
"O que você quer? Não tenho tempo."
"Qual é, Brenda? O que esse retardado tem que eu não tenho?"
Que draminha era aquele? Resolvi cortar a conversa logo, de uma vez.
"Ele toma os remédios contra TPM. Você devia tomar os seus... Tá parecendo uma histérica."
Ele me olhou com fúria e replicou.
"Pelo menos eu não grito em público."
"Ele tem uma desculpa. Qual é a sua?", ironizei.
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Você Não Existe
FantasyO que você faria se algo que você inventou realmente existisse? Brenda Mitchoff, aluna de literatura em Vancouver, escreveu o seu primeiro livro: "Algumas Cartas", nos últimos anos da universidade. O livro teve toda a sua dedicação, já que ele seria...