Brenda,
Eu sabia, por tudo o que Pascolle nos disse naquele dia que, se eu escrevesse qualquer coisa para você, o Imaginare faria questão de apagar, assim que eu deixasse esse mundo. Então, peguei o dinheiro que eu guardava na minha meia e paguei um idiota qualquer para escrever isso para mim, sabotando o velho livro de magia.
Me desculpe, idiota qualquer. Não poderia perder a piada.
Eu, conhecendo a mim mesmo, sabia que não conseguiria dizer nada do que eu estou dizendo nestas palavras pessoalmente. Saberia que eu partiria em silêncio. Mas, de forma alguma poderia partir sem dizer o quanto você significou para mim nestes dois anos.
Eu ainda me lembro como se fosse ontem da confusão que foi acordar em seu quarto. Meu Deus, eu estava muito confuso. E no início eu não sabia se podia confiar em você. Como confiar em alguém, quando se acorda em um mundo completamente estranho?
De qualquer forma, você me conquistou aos poucos. Foi aos poucos que deixei meu coração se abrir para a garota miúda, chucrute e irritantemente teimosa. E apesar de tantas brigas e mentiras, sei que nenhuma delas nasceram de um coração mal-intencionado.
Você sempre se preocupou demais comigo.
E não pense que tudo isso não está doendo em mim. Está doendo demais. Porque verdadeiramente, Brenda, eu aprendi a te amar. Acho que eu te amava antes mesmo de ter consciência de que você existia. Sempre, no fundo do meu coração, eu me sentia diferente em relação a mim mesmo, dentro do meu próprio universo.
É como se eu te escutasse, nos fundos de minha consciência, durante a guerra e tudo o que eu passei, era como se eu soubesse que eu não estava sozinho. E não estava mesmo. Porque eu e você sempre fomos um só.
Acho que todo casal deveria ser como nós. Temos diferenças. Muitas diferenças. Mas, para mim, nós sempre compartilhamos a mesma mente, as mesmas ideias, a mesma sintonia. Não éramos Dimitri e Brenda. Éramos apenas nós.
Mas não deixe que nosso passado se transforme em melancolia no seu futuro. Deixe que ele seja um motivo para te arrancar alguns sorrisos, algumas vezes. Deixe que ele seja um motivo para se ter esperança. Esperança no amor. Deixe que ele seja mais uma história para se contar. Você é ótima em contar histórias. É ótima com as palavras.
Graças a Deus, você ainda me terá. Você foi esperta em publicar o livro, brotinho. E mesmo que você não consiga mais escrever nada sobre mim, tenho certeza que você já escreveu tudo o que poderia ser escrito.
Toda vez que sentir minha falta, leia-me nas páginas amareladas de Algumas Cartas. Mesmo que aquele Dimitri do livro não seja o Dimitri que viveu dias tão doces com você, saiba que ele te ama mesmo assim.
Saiba que eu te amo.
Dimitri.
Eu carreguei este e-mail por muito tempo.
Não foi fácil viver em um mundo sem Dimitri Strauss, mas a vida é impaciente e cruel. Ela não te dá tempo para sofrer, nem tempo para você reviver em memórias tudo de bom que você passou com a pessoa que perdeu. Ou você segue em frente ou segue em frente.
Mas, toda vez que eu ficava triste de saudades, lia sua carta ou o livro que eu mesma criei. Para a maioria das pessoas, doeria ainda mais. Mas, para mim, era quase como se eu olhasse em seus olhos castanhos outra vez.
Eu publiquei mais seis livros. Aos 32 anos, meu nome já estava nas listas de best-sellers do New York Times, mas infelizmente não por "Algumas Cartas". Sempre pensei que seria famosa por escrever livros românticos, mas desde que comecei a trabalhar na editora Live Our Way, mudei totalmente meu estilo de escrita e me tornei famosa por uma série de livros de mistério da protagonista - agora mundialmente conhecida - Linna Stanley. Mas, o livro de Dimitri foi lido por muita gente, por ter sido minha primeira obra.
E durante todo esse tempo, fiquei sozinha. Não teve como me abrir para novos amores, e Kat me dizia que eu deveria parar de ser tola e namorar logo.
Kat ao menos se lembrava de ter conhecido Dimitri.
Na verdade, ela só passou a sair com Phellix por causa dele, mas o Imaginare deu um jeito de ajustar suas lembranças com a realidade atual, criando uma história alternativa ao que realmente aconteceu. Para Kat, ela tinha perdido uma aposta comigo e teve de sair com ele. Logo depois, ela insistiu para que eu saísse, também com Kevin, e que eu poderia me surpreender assim como ela se surpreendeu com Phellix.
Nas memórias dela, eu tinha namorado Kevin, assim como realmente aconteceu, mas ela tem certeza de que o motivo de termos terminado foi a minha própria carreira. Foi difícil carregar minhas memórias em solidão, mas após um tempo percebi que deveria contar para alguém. E a única pessoa que acreditaria em mim seria o próprio Kevin.
E como um anjo, Kevin Pyro foi meu escape para dor. Ele, apesar de não lembrar, acreditou em mim quando disse que Dimitri já foi realidade. Que o Imaginare apagou tudo para todos, exceto para mim. E me apoiou nestes momentos. Porém, durante todos esses anos, apesar dele tentar sempre retomar o que já tínhamos vivido, meu coração permaneceu fechado. Viver sozinha era muito mais fácil.
Dois dias antes do meu aniversário de 33 anos, Kat me convidou para a festinha de sua filha mais velha. Ela estava fazendo seis anos. Uma garotinha adorável, de olhos castanhos e pele morena-clara mostrou bem como as genéticas de Kat e Phellix combinaram. Ela me chamava de tia Brendy.
Engraçado que eu nunca gostei de comemorar meu aniversário. Dia 5 de maio. Fiz de tudo para não contar a Dimitri, naquela época, que essa era a data do meu aniversário. Mas ele deu um jeito de descobrir e fazer uma comemoração entre nós. Eu nunca contei essa história aqui. Mas quando comemoramos, fizemos algo que não poderia ser mais adequado para nós: compramos livros. Muitos. Uma paixão que sempre compartilhamos, em unidade. Aquele aniversário, em especial, foi o que me convenceu de me auto comemorar todo ano.
Então, Kat fez um bolinho para mim, também, no aniversário de Penny. Ela sabia que eu amava festas de crianças. E o espaço do buffet que ela reservou... aquele jardim era bom mesmo para casamentos. Mas ela fez questão de reservar um espaço aberto para que coubessem todos os tobogãs e piscinas de bolinhas para os amiguinhos de sua princesa.
Um bolo gigante e rosa, de princesa para ela e um bolo médio, branco e uniforme para mim. Após assoprar a velhinha de número "33", fui me sentar sobre o gramado do lugar, para observar o Sol partindo. Um dos momentos que me lembrou dele...
Kevin também foi convidado. Depois de um tempo, ele assumira os negócios do pai como presidente da empresa da família e, ainda assim, continuava sendo um homem muito humilde. E sim, muito bonito.
"Hey Brendy. Faz tempo ein..."
Sorri e ajeitei meu vestido. Meu amor por vestidos floridos não passou com os anos.
"Sim. Me desculpa não ter ligado nos últimos meses. Foi difícil com as coisas na editora. Promoção e tudo mais."
"Entendo."
Olhei para minhas mãos.
"E a Kendra? ", perguntei sobre sua última "quase" namorada.
Ele riu.
"Não deu certo. Sabe... Gosto de Kendra, mas... não desse tipo de Kendra. "
Ruborizei, quando entendi ao que ele se referia.
"Você é bem espertinho quando quer, não é?"
"Sempre sou.", ele respondeu, com uma piscadela.
Olhei para as mãos de novo. Depois para o relógio.
"Droga. Está tarde. Preciso pegar alguns esboços para revisar no final de semana, na editora.", disse já me levantando.
"Katrinne vai te matar por sair tão cedo.", ele riu.
"Como sempre..."
Sorri, demorando um tempo ao olhar o rosto do meu amigo. Quanta paciência ele havia tido comigo.
E, enquanto caminhava em direção a saída do local, Kevin gritou:
"Hey Brendy! Jantar às seis amanhã?"
E antes de responder, eu pensei... "Por que não?"
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Você Não Existe
FantasyO que você faria se algo que você inventou realmente existisse? Brenda Mitchoff, aluna de literatura em Vancouver, escreveu o seu primeiro livro: "Algumas Cartas", nos últimos anos da universidade. O livro teve toda a sua dedicação, já que ele seria...