Eu fiquei pelo menos três horas sentada em um dos banquinhos da praça refletindo sobre o que acabara de acontecer. Nunca tinha visto Dimitri tão irritado e, apesar de já termos brigado, aquela vez foi a pior de todas. E eu não poderia revidar. Não poderia culpá-lo ou dizer que ele estava sendo muito rude. Ele tinha toda a razão para nunca mais olhar na minha cara ou me pressionar até que eu soltasse toda a verdade. Como ele disse, era a vida dele.
Então durante essas três horas eu fiquei planejando uma forma de contar a verdade:
- Dimitri você não é real
- Você é um personagem de livro
- Eu te inventei
- Um livro magico te deu vida
Se nenhuma das frases fazia sentido para mim, faria sentido para ele? Então, como todas as outras vezes, fui consultar a pessoa que poderia me ajudar: Kat. Só que não foi fácil. Fiquei procrastinando durante mais uma hora e meia. O Sol já estava praticamente se pondo e algo muito forte me prendia àquele banco. Com toda a relutância que um ser humano poderia sustentar, eu me levantei e voltei para meu dormitório. Cada passo era como se eu carregasse toneladas de sacos de areia em meus joelhos. Não tinha como lidar com aquilo, mas eu continuei.
Quando cheguei, Kat estava lavando a louça. Não sei porque, mas imaginei que ela estaria este tempo todo encarando a porta com os braços cruzados, apenas esperando eu chegar para dar o bote. Mas ela se comportava como se nada tivesse acontecido. Até que ela ouviu o barulho da porta se fechando.
"Kat...", sussurrei rouca.
Ela me fuzilou com um olhar insuportável e eu me encolhi mais que um tatu medroso.
"Senta!", ela apontou para o sofá e eu obedeci.
Ela enxugou as mãos de forma dolorosamente lenta e se sentou ao meu lado.
"Diga a verdade pra ele."
"Onde ele está?", perguntei preocupada.
"Voltou para o quarto dele. Veio me perguntar coisas e eu simplesmente disse que não cabia a mim dizer nada. Era tarefa sua."
Suspirei. As lágrimas secas em meus olhos os deixaram grudentos e aquilo realmente me incomodava.
"Não posso contar a verdade pra ele, Kat."
"Por quê?". Ela perguntou nervosa. "Só me diz..."
"Ele não acreditaria."
"NÓS DISSEMOS QUE ELE ERA UM VIAJANTE DO TEMPO! Por Deus, Brenda! O que é mais absurdo?"
"Ele... Não pode saber. Ficaria tudo estranho entre nós. Ele se perderia da realidade dele. Provavelmente nem iria mais olhar na minha cara."
"Não percebe o que está dizendo, Brenda? Você está sendo completamente egoísta. Aquele garoto é uma pessoa de verdade! Ele não é seu brinquedinho. Ele não é mais simples palavras ou um mero personagem que VOCÊ possa decidir o que é bom pra ele ou não. É a vida dele!"
As palavras dela poderiam com certeza terem sido suficientes para me convencer em revelar para ele a verdade. Mas a verdade sobre Dimitri estava tão enterrada em meu lugar secreto que eu não conseguia libertá-la.
"Não vou contar a verdade. Ainda posso inventar alguma coisa."
Kat cruzou os braços, enrijeceu o maxilar e após alguns minutos olhando para o lado, ela foi até o guarda roupas, arrancou uma mala de dentro dele e começou a socar várias roupas.
"Kat o que você tá fazendo?", perguntei desolada.
Ela parou e olhou em meus olhos.
"Se você quer continuar mentindo pra ele fique a vontade. Mas minha consciência não está tranquila com isso. Eu posso ser muitas coisas mas não sou mentirosa, Brenda. Nunca menti durante tanto tempo para alguém quanto menti para Dimitri. Por você. Ele... Também é meu amigo."
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Você Não Existe
FantasíaO que você faria se algo que você inventou realmente existisse? Brenda Mitchoff, aluna de literatura em Vancouver, escreveu o seu primeiro livro: "Algumas Cartas", nos últimos anos da universidade. O livro teve toda a sua dedicação, já que ele seria...