Quando dei a notícia para o meu pai, foi questão de segundos para que o rosto dele ficasse vermelho, ele fechasse os punhos e, depois erguesse um dos dedos bem no rosto de Dimitri e falasse:
"Se você magoar minha filha, eu juro que eu..."
"Vai cortar minha garganta?", Dimitri o interrompeu. "Declan já, me alertou, senhor!"
Dimitri estava calmo. Com um leve sorriso no rosto. Não o sorriso de alguém que estava tentando desafiar, mas um sorriso de alguém que realmente queria ser legal.
Meu pai, recuou, aliviando um pouco suas expressões. Mas, ainda assim, falou de forma rude:
"O último disse o mesmo que você!"
Respirei fundo. Meu pai não citava a estória de Isaac na intenção de jogar algo na minha cara. Mas, de qualquer forma, doía quando ele mexia neste cadáver. Era como se tudo isto jamais pudesse ser esquecido.
"Senhor, com todo o respeito, eu não sou Isaac Jones. A única pessoa que pode me machucar é a sua filha! E se depender de mim, ela pode o fazer quantas vezes quiser, mas ainda vou estar aqui."
Mamãe percebeu o clima pesado no recinto e começou uma de suas graças:
"Ui! Meu Deus! Arrasou dessa vez, filha."
Nenhum de nós pode conter a risada. Primeiro eu, depois Declan, Dimitri e, após uns instantes, até meu pai cedeu a brincadeira e soltou uma gargalhada. Depois, ele disse:
"Acho bom! Bem, vamos nos acomodar. Você, Dylan, pode ficar no quarto com Declan. Temos um colchão extra."
Dimitri foi subindo com as malas, e Declan ia logo atrás. Mamãe me deu outro abraço. De repente, ouvi um latido atrás de mim. Era Rojão, o cachorrinho que meus pais encontraram nos arredores da fazenda, na última vez em que os visitei. Ele era um vira- lata, pequeno, de pelos brancos no corpo todo e uma mancha negra na barriga. O rosto, mesclado por tons de negro e branco. Senti meu sorriso nascendo de orelha a orelha quando o pequeno bichinho felpudo começou a se esfregar em minhas pernas.
"Hey, menino!", o peguei em meu colo e acariciei seus pelos. "Mamãe, e a Betsy?", perguntei.
Betsy era minha vaca preferida da fazenda. As vezes, parecia que ela escutava tudo o que eu falava. No dia em que descobri sobre o vídeo de Isaac, após a briga, quando cheguei em casa, corri direito para o celeiro e chorei, desabafando coisas que jamais conseguiria desabafar com ser humano algum. Ela respondia com um simples "Muu", mas que já era muito mais reconfortante que um "vai dar tudo certo".
Subi com minhas malas e fui direto para o celeiro. Estavam lá, todos os bichinhos, protegidos do inverno. Bois, vacas, galinhas e o galo, Nixon, desfilando em volta delas.
"Machista opressor!", disse, dando um sorrisinho pra ele. Ele eriçou suas penas e me respondeu, com um cacarejo de desprezo.
Caminhei mais um pouco até encontrar Betsy e, então, a abraçar.
"Oi, linda!", disse, completamente animada.
"Muu."
"Ai, senti tanta sua falta. Tenho tantas novidades. Adivinha... Lembra- se do Dimitri?", eu acariciava seu rosto comprido, olhando em seus olhos negros e tocando uma de suas várias pintinhas marrons.
"Muuu!"
"Ele está aqui! Sim, Betsy, agora ele existe."
Eu lia tudo o que eu escrevia para a Betsy em voz alta, enquanto ainda morava em Riverwood. E, assim como ela sempre escutava o que eu falava e desabafava, ela era uma ótima ouvinte, também, em minha leitura.
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Você Não Existe
FantasyO que você faria se algo que você inventou realmente existisse? Brenda Mitchoff, aluna de literatura em Vancouver, escreveu o seu primeiro livro: "Algumas Cartas", nos últimos anos da universidade. O livro teve toda a sua dedicação, já que ele seria...