O Hotel era tão grande que seu terraço era subdivido, como se houvessem vários em um só.
Por sorte, eu e Dimitri fugimos da velha. Nos sentamos, no chão ainda um pouco ruborizados e risonhos pelo flagra. Dimitri abotoava os botões soltos da camisa enquanto eu corava mais do que bebê com febre.
O céu, ostentando estrias vermelhas em um negrume inicial da noite ainda precoce, parecia bem com tudo o que eu sentia em meu interior. Uma tempestade de emoções.
"Brendy, não queria te deixar sem graça, mas seu vestido tá aberto nas costas."
Contorci minha mão até as costas e confirmei sua afirmação, corando ainda mais do que antes.
"Droga! Você é um safado mesmo, Strauss."
"Falou a que quase arrancou minha roupa no corredor!", ele riu e depois deu uma piscadela. "Vem cá, eu subo o zíper."
"Nem ferrando, tiozinho. Isso é só um pretexto pra ficar de olho nas minhas costas nuas."
Ele me beliscou e disse com um sorriso malicioso:
"Tudo bem. Mas hoje a noite, você não escapa."
Nos olhamos por um tempo e eu agradeci por ele ter me beliscado, caso contrário, ainda estaria perdida nos devaneios infinitos em que eu me encontrava. Finalmente estávamos ali, sem mentiras... E compartilhando do mesmo sentimento.
"Estou feliz, mas ainda um pouco irritado. Não deveria ter mentindo."
Abaixei a cabeça, assentido.
"Me desculpe mesmo. O que te fez mudar de ideia?"
Ele olhou para cima, com um leve sorriso.
"Bom... Depois de um tempo sozinho e pensando, percebi que se, talvez, eu estivesse em seu lugar, talvez eu teria feito o mesmo. Sabe... Mentir!"
Segurei sua mão, um tanto curiosa com sua resposta.
"Mesmo?"
"Sim... Eu pensei que mediante a complicação da situação e, justamente por eu sempre seguir o caminho mais difícil das coisas, eu provavelmente teria mentido. Como quando eu... Parti. Menti para Sondra, dizendo que fugiríamos juntos e fui para o exército."
Vi uma tristeza profunda em seus olhos.
"Provavelmente porque você, tecnicamente, sou eu.", brinquei.
Ele sorriu outra vez.
"Sou uma versão mais bonita."
Ele pegou uma das minhas mãos e beijou. Senti que estava esquecendo alguma coisa, quando me lembrei de meu voto interno de ser totalmente verdadeira com ele, depois de tudo.
"Di... Eu ando passando por algumas coisas desde que você chegou. E vêm sendo mais frequentes."
Ele franziu o cenho.
"O que houve, brotinho?"
"Sabe, depois que começamos a passar mais tempo juntos, comecei a ter uns pensamentos estranhos. Algumas... Memórias que não pertencem a mim. E depois de um tempo eu passei a reconhecê-las. Eram da Sondra."
Ele mudou de posição, ficando um pouco tenso.
"Como sabe que são dela? As memórias?"
"Porque eu a criei. São coisas que eu deixei de fora da história original, mas sempre mantive nas entrelinhas. Na minha mente. Como por exemplo..."
Hesitei.
"Como por exemplo o que?", ele insistiu.
"Como por exemplo... A gravidez de Sondra."
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Você Não Existe
FantasyO que você faria se algo que você inventou realmente existisse? Brenda Mitchoff, aluna de literatura em Vancouver, escreveu o seu primeiro livro: "Algumas Cartas", nos últimos anos da universidade. O livro teve toda a sua dedicação, já que ele seria...