26 - Como Sondra

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"Não vou usar esse negócio ridículo!", reclamei.

A fantasia de bode pinicava. As orelhinhas dela criavam pequenos calombos na cabeça e, por incrível que pareça, além dos calombos, elas pesavam como duas bolas de boliche. Eu parecia um personagem de Vila Sésamo.

"Você tá incrível, brotinho. Por que tanto drama?"

Dimitri estava parecendo, também, um personagem de programa infantil com aquela fantasia de anjo. Asas emplumadas, beca branca e auréola de algodão.

"É um monólogo. Por que me colocar num monólogo cujo você é o protagonista?"

"Porque vai ficar bem mais interessante. E porque a ideia foi sua de fazer isso então você vai lá comigo."

Fiz um bico. Queria sair correndo dali.

"Eu te odeio, Dimitri Strauss!", berrei.

"E eu te amo.", ele me puxou pelo pano sobrando da fantasia e começou a dar pequenos beijos em minha bochecha.

A sala em que estávamos e que servia como camarim era, na verdade, uma das salas de estudos dominicais da igreja. Alguém bateu a porta para nos avisar que era a nossa deixa, então fomos.

A luz do holofote brilhou no centro do palco. Dimitri foi até ela. Antes de começar, Declan e Tricie arrumaram o cenário de forma cuidadosa e ao mesmo tempo rápida. Alguns arbustos. Uma pequena casinha com um bebê seguro em uma manjedoura.

"Não acho que seja justo que o relato acerca do nascimento de Jesus seja feito apenas pelos seus discípulos... " ele começa, caminhando pelo palco. "... Não desmerecendo os evangelhos. São incríveis e importantes. Mas eu estive lá, de corpo presente, e vi o nascimento. Lembram do coral de anjos? Eu estava lá na terceira fileira do canto direito. Não acredita? Bode, traga- me um violão."

Então peguei o violão e, ridiculamente, corri até o centro do palco e o entreguei, arrancando risadas do público. Então Dimitri começou a arrancar os acordes que Tricie e Declan compuseram.

"Cantar ou contar
Ouvir ou assistir
Do relato ao fato
Para isso eu existi
Pra louvar, comemorar
O nascimento da esperança
E com muita confiança vou dizer...
Cristo eu vi nascer, então posso relatar
Só porque eu sou um anjo, nada me impede de falar
Um relato é um relato, e o nascimento foi ali, e eu, Adriel, vi o Senhor enfim!"

Saiu muito melhor do que eu imaginava. A composição de Declan e Tricie, apesar de ser simples, foi incrível, mas a voz de Dimitri deu o toque final. Cantando o tempo todo com um enorme sorriso, ele arrancou muitas palmas dos chatos e intrometidos de Riverwood que, se antes foram apenas para ver quem era o novo namorado da Brenda Vadia, agora ficaram porque realmente a peça estava boa.

Infelizmente, após o termino de todas as apresentações, anunciaram que o grupo 7 venceu o concurso. Me abati um pouco e Dimitri percebeu. Então, ele sussurrou em meu ouvido "Pra mim, ainda somos os melhores", de forma suave. Não foi o suficiente para apaziguar minha tristeza. Eu queria ganhar o dinheiro para meus pais. Mas, simplesmente tive que aceitar.

A véspera de natal chegou rápido. Dimitri passou o dia inteiro ajudando meu pai a limpar os estragos que a nevasca deixou na noite passada. Como ficamos, de certa forma, "presos", foi uma boa oportunidade para uma noite de jogos em família com muito Banco Imobiliário, Twister, Imagem & Ação e chocolates quentes. Declan, o viciado em jogos bobos de criança, vencera praticamente tudo. Dimitri foi péssimo e prometeu treinar muito mais.

Vesti, na noite de natal, um vestido branco de lã, com mangas compridas e delicados desenhos nas costas, com uma sapatilha acompanhando.

Ao descer as escadas, senti o cheiro da comida deliciosa que minha mãe fizera. Eu ajudei com as saladas, mas devo admitir que todo o mérito veio dela. Lasanhas, peru de natal, bolos de carne, sobremesas maravilhosas como sorvete e panetones de chocolate.

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