32 - Dylan Samberg

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"Se chama despersonalização. É uma doença que, basicamente, faz com que pensamos que nossa vida não é real. É como se vivêssemos em uma realidade alternativa. Como se estivéssemos presos em um mundo que não é nosso. Por causa dessa doença, sua mente acabou criando uma história. Depois que você voltou de uma missão em Gaza."

Dimitri estava recostado na parede, apenas escutando cada uma das palavras ,sem expressão alguma. Braços cruzados, músculos retesados. A preocupação o embelezava, quase na mesma medida que me condenava.

"Há quanto tempo?"

"Dois anos", menti.

"Eu consultei um profissional? Por que eu não lembro de nada?"

Suspirei e olhei para o chão. Olhar para seus olhos tornava tudo mais difícil.

"Sim. E ele mesmo aconselhou que parássemos o tratamento por uns tempos. Que entrássemos em sua história com você. Que isso seria a cura.", menti outra vez.

Ele se virou. Encarava o poster do Han Solo e Chewbacca de seu colega na parede esverdeada do dormitório.

"Então... A Sondra... Meus pais... Eles...", balbuciou.

Me levantei e fui até ele, me sentindo o próprio diabo por inventar tal história.

"Dimi... Eu menti. Mas menti porque era necessário. Você precisava vencer seus traumas. E só poderia vencê-los se eu deixasse sua mente livre."

"Eles não existem?", ele se virou. Seus olhos estavam marejados e o meu coração se partiu em centenas de pedaços irregulares naquela hora. "Meu... Passado... Tudo o que eu penso que eu fui, não é real?"

Agora quem chorava era eu. O que eu fiz? Ele fechou os olhos e tentou conter os soluços, sem sucesso. Nunca o vi chorar tanto.

Eu mesma nunca chorei tanto.

"Dimi... Me desculpe. Eu não...", queria me aproximar, mas não havia como. "... Nunca foi minha intenção te magoar. Nem mentir mas..."

Minhas palavras foram interrompidas quando ele segurou minha mão e balançou a cabeça negativamente.

"Eu sei. Eu sei, Brenda. Mas você precisa me contar. Tudo."

Seus olhos caramelados nadaram nos meus por infinitos instantes. Depois ele secou as lágrimas e disse:

"Vou me trocar. Vamos dar uma volta."

Vinte minutos depois estávamos caminhando na praça. O verão canadense deixava o clima fresco e agradável mesmo com as brisas frias. Dimitri usava uma camiseta vermelha e eu percebi o quanto gostava dele de vermelho. Em qualquer cor. Focar nele me fazia esquecer toda a porcaria que eu estava fazendo.

"Qual é meu nome?", ele questionou.

"É Dylan mesmo."

"E por que as identidades falsas?"

Droga ele é bom, pensei.

"Na verdade não eram falsas. Eram as suas. O garoto Stephen foi bom para entrar no jogo."

Ele mordeu o lábio inferior e depois bufou. Por dentro, sentia uma ansiedade terrível. Não podia hesitar, senão seria pega em uma mentira outra vez.

"E minha família? Meus amigos..."

"Morreram há alguns anos. Os demais parentes estão no Reino Unido, mas nunca se importaram muito. Acharam que isso tudo, que sua doença, era frescura sua. Por isso não vieram. Seus amigos se afastaram. Só restou eu e... Kat."

Você Não ExisteOnde histórias criam vida. Descubra agora