Eu poderia falar que perdi meu chão ao escutar as palavras do velho Pascolle. Mas, de certa forma, meu coração estava preparado para elas. Parece que desde o início, desde que tive aquele sonho com o manuscrito de Dimitri sendo queimado e até mesmo quando Kevin me falou de Bimbo, eu sabia o final de tudo isso.
Eu o perderia para sempre.
Creio que já mencionei algo chamado de Fase da Negação Literária aqui, mas nunca expliquei. É uma denominação que eu mesma criei em minha mente, que define o momento do ápice literário da vida que cada autor, mas não de uma forma boa. É como se ele passasse o dia inteiro e o tempo todo na própria história. É o catatonismo sobrenatural que não se aplica apenas a ambientação da história, mas pode se aplicar também a um personagem. A negação entra na história porque o autor nunca admite que está exagerando ao deixar sua mente cem por cento entregue a tal personagem ou a tal história.
A melhor maneira de explicar isto é falando de mim mesma. Durante todo aquele tempo que passei focada em escrever Algumas Cartas, jamais admiti que Dimitri se tornara meu novo vício. Eu me apaixonei por ele sem ao menos notar. Toda vez que eu fechava os meus olhos e deixava os fios de luz pingarem na escuridão de minhas pálpebras, eu quase podia ver a íris castanha dos olhos de Dimitri. Seu sorriso brilhava para mim nas pontas da minha imaginação e a maciez da pele de seu rosto era quase palpável.
Eu estava absolutamente louca e de maneira alguma admitia isso.
E, naquele momento, novamente essa parte insana de mim não permitiu que eu considerasse as palavras do homem que conhecia o Imaginare melhor do que ninguém. Eu novamente entrei na fase de negação.
"Bom... Isso está completamente fora de cogitação, senhor.", olhei rapidamente para Tonie e depois voltei meu olhar a Pascolle. "Dimitri é uma pessoa assim como nós. Não vou matá - lo."
"Você está totalmente enganada, mocinha. Ele não é uma pessoa. É uma aberração criada a partir de uma magia negra inexplicável vinda daquele maldito livro. Ele não passa de palavras. Se continuar com isso, vai cair em um estado de loucura completo. Já não vai mais saber quem você é e nem ele saberá quem é. Não existe forma de viver assim."
A voz do homem estava rouca e falha. Como se ele não aguentasse mais aumentar o seu tom.
"Mas eu me sinto muito bem, obrigada!", disse com uma grosseria que eu mesma não reconhecia em mim. Me levantei da cadeira de madeira da cozinha e fui em direção ao corredor. "Muito obrigada mesmo pela ajuda e por explicar mais sobre o Imaginare. Mas pra mim, Dimitri é muito mais do que só palavras.", e saí, antes de escutar uma resposta de Pascolle e até mesmo de Antonie.
Desci as escadas da porta da frente da casa em disparada, para evitar tanto Antonie quanto Pascolle, mesmo sabendo que o último jamais se daria ao trabalho de vir atrás de mim. Mas não consegui impedir Antonie de me segurar pelo pulso direito e me virar contra si.
"Brenda, calma... Por que não me esperou?"
Dei um longo suspiro, olhando para os meus Vans dos Peanuts.
"Foi uma péssima ideia vir aqui. Eu estava bem... Eu..."
"Eu sei, eu sei, eu sinto o mesmo. Esse velho é bem insensível, mas vi nos olhos dele que tudo o que ele disse era verdade, Brenda."
Cravei minhas unhas, com um esmalte marfim descascado, em minha mão, deixando formas em meia- lua fundas em minha pele.
"Ele quer que eu o queime. Que eu o mate. Como eu posso me sentir normal com isso?"
"Eu te entendo mesmo! Se ele falasse isso para mim... Sobre Pria, eu iria enlouquecer. E olha que eu já estou me sentindo meio tonto em relação ao que ele disse sobre largar ela."
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Você Não Existe
FantasyO que você faria se algo que você inventou realmente existisse? Brenda Mitchoff, aluna de literatura em Vancouver, escreveu o seu primeiro livro: "Algumas Cartas", nos últimos anos da universidade. O livro teve toda a sua dedicação, já que ele seria...