Capítulo 2

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India narrando:

Acordo com um susto ao ouvir o telemóvel tocar furioso, ao lado da minha cabeça. Resmungo e atendo a ligação, meio a dormir e sem falar nada.

"Consegui fazer a marcação para você!" Exclama a Carla, feliz. Não falo nada e solto outro resmungo em resposta. "Te acordei?" Pergunta a medo.
Mas é claro que não, eu atendo o celular a dormir, penso sarcástica.

Me reviro na cama e cubro a cabeça com as cobertas, me embrulhando como uma borboleta no casulo. Viver perto do mar tem os seus pontos negativos e um deles é a humidade que se infiltra sempre no ar na altura do frio. Não me queixo no entanto, gosto do frio e de sentir as cobertas pesadas em cima de mim enquanto faço ronha na cama. Tenho ar condicionado, mas não gosto de o deixar ligado a noite toda, além de que se o fizesse, a conta da luz seria astronómica.

"India, você está aí?" Pergunta a Carla, sussurrando no bocal do celular. Como se isso fosse preciso, já estou acordada mesmo!

"Mmm..." respondo, me encolhendo toda em posição fetal. Deixo o celular equilibrado na orelha e junto as mãos entre os joelhos.

"Você ouviu o que eu disse? Consegui consulta para você amanhã."

"Eu ouvi." Respondo com voz grossa do sono. "E você podia ter mandado uma mensagem em vez de me telefonar de madrugada."

"Madrugada?! São oito da manhã!"

"Mesma coisa." Para quem não dormiu nada, não há qualquer diferença. Seguro um bocejo e o celular oscila precariamente no meu ouvido. Se cair não vou soltar minhas mãos para te apanhar.

"Já disse tudo?" - Pergunto, após ter conseguido estabilizar o celular o suficiente para continuar a conversa.

Oiço barulho de um armário a bater e um farfalhar de saco. Parece som de pacote de cereais, ela deve estar preparando o café da manhã.
Nossa, a menina come cedo mesmo!

"Lógico que não." Ela faz uma pausa e começa a mastigar tão ruidosamente que minhas entranhas se apertam de irritação. "Não quer saber a que horas é?"

"Fala logo!" Digo um pouco mais ríspida do que pretendia.

Ela acaba de mastigar e fala: "É amanhã à noite." E põe mais cereais na boca e mastiga de boca aberta como se não o estivesse a fazer diretamente para o meu ouvido. Estou com vontade de apertar o pescoço dela! "Não tinha mais vagas, daí..."

"Pára de mastigar no meu ouvido, Carla!" Exclamo com tanto vigor que o celular cai da minha orelha. Pego no aparelho e desta vez seguro-o firmemente.

Não oiço nada da outra linha. Será que terminou a ligação? Olho para o celular, mas a chamada ainda está contando. Parece que fui demasiado rude, mas ela estava me irritando para caramba. Não consegui evitar.

"Carla?" Tento.

Após uma pausa ela responde: "Que foi? Fui só acabar de comer o que tinha na boca longe de seus ouvidos, apesar de eu tecnicamente estar afastada deles." Ela parecia um pouco sentida. Droga!

"Desculpa ter gritado, Carla. Não foi de propósito."

"Certo." Mas não parecia ter acreditado. "A sua consulta será por volta da meia noite, uma e, como estava dizendo antes de gritar comigo, não havia mais vagas, mas como disse que era urgente, a doutora vai ver você lá para o final da noite. Amanhã eles te ligam para informar da hora concreta da consulta, por isso não jogue o celular por aí."

Nossa, ela estava chateada mesmo. Suspiro e tento de novo.

"Carla, não fica assim não. Me desculpa."

Encarar É FeioOnde histórias criam vida. Descubra agora