Capítulo 23

489 56 6
                                    

Santiago narrando:

Acordo de um momento para o outro e quando me apercebo do que estou fazendo, dou um suspiro resignado que se transforma num bocejo e se estende para um espreguiçar que tento conter ao máximo, para não me mexer e acordá-la. Ela não acorda, mas se ajeita a mim quando acabo por mudar um pouco a minha posição, como se fizesse isso desde sempre. Como se fôssemos pólos gravitacionais ligados um ao outro: quando um mexe, o outro mexe com ele. E o que raio estou eu fazendo abraçado a ela desse modo? Desta vez não tenho desculpa, porque para além de estar bem ciente do que estava fazendo, sou definitivamente eu que a estou abraçando. Fui eu que a abracei, tal como da última vez.

Estamos deitados de lado, as suas costas estão pressionadas contra o meu peito, suas pernas estão dobradas com as minhas e seu traseiro está perigosamente encostado ao meu... À minha... Está bem encostado à minha masculinidade matinal, digamos assim, e é imperial que ela não acorde comigo desse jeito. Também porque prometi para ela que guardaria minhas mãos para mim. Está visto que falhei miseravelmente.

Tiro a minha mão da sua barriga descoberta, dedo por dedo e afasto meu braço de cima dela muito devagar. O problema maior é mesmo a outra mão debaixo da pescoço dela, no espaço entre o seu ombro e a almofada. Parte da sua bochecha está sobre ele, ela está segurando-o com uma mão e eu não faço a mínima ideia de como tirar meu braço sem que ela acorde.

Fico lá ganhando coragem, pensando na minha estratégia, sentindo sua respiração quente e cadenciada sobre o meu braço e me pergunto se fiz a escolha certa em deixar a India dormir comigo, no meu apartamento.

Na noite anterior:

- Ei! - A Carla chama a nossa atenção quando se apercebe que não estamos seguindo com eles. Já estamos a um bom tempo parados, mas só agora repararam. Ela tem de gritar para que a ouçamos e várias cabeças na rua se viram para nós curiosos, fazendo-a vir ter com a gente. - O que houve? Porque pararam?

- A gente vai para casa, Carla - India diz cansada, encolhida no casaco que lhe passei pelos ombros ao vê-lo contraída com frio. Fica-lhe enorme, mas gosto de a ver com ele vestido.

- Você prometeu, India - seus ombros descaem.

- Olha, eu já tive com vocês no Manhattan e não estou a fim de ir para discoteca agora. Estou exausta.

- É, essa desculpa eu já conheço bem...

A India olha para ela de boca aberta, sem acreditar no que tinha ouvido.

- Isso não é justo, Carla.

- O que não é justo é eu querer estar com a minha amiga e nunca poder por ela estar sempre cansada. Sinceramente, nem sei se isso não é uma desculpa que você fica inventando só para não estar com a gente.

- Você acha que eu estou inventando?!

- O que você quer que eu pense? Todo o santo dia é a mesma desculpa, não acha isso um pouco suspeito?

- Não é suspeito coisa nenhuma! Todos os dias eu tenho mil e uma coisas para fazer e você sabe perfeitamente disso! É normal que ao fim do dia esteja cansada e que queira tomar um bom banho em vez de sair e encher minha cabeça de barulho.

- Você fica cansada porque quer.

- O quê?! Isso não faz o menor sentido...

- Faz todo o sentido! Porque quando você não tem coisas para fazer você inventa, como com essa tal campanha que você iniciou. E eu não estou só falando de sair à noite, toda a vez que te convido para ir ver um filme ou só tomar um café, você nunca pode. É quase como se me estivesse evitando. Se você não quer ser minha amiga basta dizer, estou farta de ser eu a fazer um esforço e de ser a idiota que implora a sua companhia!

Encarar É FeioOnde histórias criam vida. Descubra agora