Capítulo 30

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India narrando:

Tem pessoas que comem tão devagar que me dá vontade de pegar numa concha e enfiar-lhes a comida goela abaixo. Essas pessoas me irritam porque têm tempo para perder numa refeição que em si já é um desperdício de tempo.

Nunca pensei que um dia me tornaria numa dessas pessoas, mas a verdade é que hoje decidi me tornar uma comedora caracol, deliberadamente. O que não é nada fácil, pois para além de ser irritante, estou com uma fome danada e a comida está tão deliciosa que dá vontade de comer logo tudo rapidinho. Mas sei bem o que se segue depois de terminar a refeição e estou tentando adiar o máximo possível.

O Santiago está recostado na cadeira, ora olhando para o conteúdo do meu prato, ora checando as horas. Vez ou outra, me encara com alguma reprovação e uma dose de divertimento, voltando a ficar sério novamente. Ele já entendeu o que estou fazendo, mas ainda não falou nada.

Pico um pedacinho de frango e mastigo vinte vezes.

Um, dois, três.

Ouvi dizer que é assim que devemos mastigar, parece-me uma boa altura para pôr isso em prática.

Quatro, cincos, seis... E é tudo o que consigo antes do bolo alimentar fazer a sua descida pelo trato digestivo. Acho que o conceito não funciona bem com pequenas quantidades de comida.

Enrolo um pouco de esparguete no garfo e levo à boca. Que martírio comer comida tão gostosa desse jeito.

- Qual vai ser a primeira coisa que você vai cozinhar para mim?

- Peito de frango - responde sem pestanejar e de imediato me lembro da conversa no quarto dele, depois de eu ter acordado ao seu lado e percebido que ele tinha dormido de tronco nu.

- Eu disse para você que não gosto de peito de frango.

- Eu sou o chef, eu faço o que quiser e você come o que eu cozinhar, esse foi o acordo - ele cruza os braços e olha para o meu prato. - Agora, quer parar de deitar conversa fora e terminar seu jantar?

Olho para o meu prato.

- Prolongar o inevitável só vai tornar o sofrimento por antecipação bem pior - ele fala. - Isso é daquelas coisas que você tem de fazer sem pensar e você está pensando demais.

- Estou só comendo.

- Está só engonhando é o que você quer dizer.

- Hey! - Protesto, quando ele tira o prato da minha frente, me deixando com os talheres na mão. - Onde você vai com a minha comida?

Ele não responde. Coloca meu jantar no elevadorzinho que tinha usado para fazer subir nossa comida para o andar de cima e depois desce pelas escadas em direção à cozinha.

Bebo um gole de água e espero por ele com o queixo apoiado nos meus braços cruzados, em cima da mesa.

No que eu estava pensando para aceitar essa condição estúpida? Se eu nem sou capaz de falar com a Carla, porque pensei que seria capaz de o fazer com o Santiago?
A culpa foi dele por eu ter aceitado. Se não fosse por aqueles lindos olhos de mel, me observando como se pudessem ver minha alma, eu teria sido capaz de pensar racionalmente. Por outro lado, já desiludi duas pessoas muito importantes para mim hoje, não queria que o Santiago acabasse sendo o terceiro.

Ouço seus passos vindo das escadas. Ele tira meu prato daquele elevador bacana e o coloca na minha frente. A refeição está fumegando e parece cheirar ainda melhor que antes, se é que isso é possível.

- Coma, India.

- Você foi aquecer minha comida de propósito?

- Fui torná-la mais apetitosa.

Encarar É FeioOnde histórias criam vida. Descubra agora