India narrando:
- A India? - Oiço uma voz abafada pela porta, perguntando.
- Não sei, ela estava se maquiando da última vez que a vi. Já perguntou para Carla?
- Onde ela está? - Consigo ouvir suas vozes bem perto da porta e me pergunto como elas reagiriam se me vissem sair da arrecadação bem agora.
- E você sabe onde está alguém? - Fala a outra rindo, sua voz mais difícil de perceber quando se afastam pelo corredor.
Respiro fundo assim que elas se vão sem me descobrir. Também não sei quem procuraria por mim num quarto de arrumações de artigos de limpeza. Eu sei que não o faria e sim, também sei que não deveria estar aqui, ainda por cima na eminência do início da apresentação de dança com os Escolhidos, mas eu estava precisando de um pouco de paz e sossego. Não tenho o mar perto de mim, por isso tive de improvisar de outra maneira.
Fecho os olhos, apesar de estar escuro como breu onde estou, e tento acalmar meus nervos. Não que esteja nervosa por causa da apresentação, o que também estou claro, afinal de contas é o meu nome que está em jogo, mas não é isso que me está preocupando essa noite. Tenho medo que ele esteja aqui. Ele, o marido da minha tia. Porque se ele estiver, o que raio vou fazer? Não posso deixar o palco e nem posso deixar que isso mexa comigo enquanto estiver dançando. Ou pensando melhor, se calhar até ajudaria na interpretação, não que tenha dificuldades nisso, mas um fator extra para melhorar minha atuação é sempre bem vindo.
Oiço mais passos e vozes passando pela porta fechada da arrecadação e me forço a conter os meus pensamentos.
- Não sei, Verónica - reconheço a voz da Carla. - Mas o que é que você precisa? Eu te ajudo enquanto ela não aparece.
- Mas ela não foi embora, pois não?
- Claro que não - Carla responde com uma certeza tão grande, que tenho vontade de ir embora só para a contrariar mesmo ela tendo razão, eu não os deixaria na mão desse jeito.
Quando elas se afastam, estico minha perna devagar. Não convém que fique dobrada tanto tempo antes de dançar, além de que a esta hora já devia estar me alongando. Estico a outra também e bato numa vassoura que cai em cima da minha cabeça.
- Au! - Resmungo baixinho, afastando a assassina. Só espero que ninguém me tenha escutado. Aguardo um pouco, com os ouvidos aguçados e como não oiço nada do lado de fora, começo com os meus alongamentos me debruçando sobre as pernas esticadas, até meu peito descansar sobre elas. Fecho meus olhos e...
- Está...
- Ah! - Me assusto. Olho para cima com o coração acelerado e me deparo com uns olhos cinzentos me encarando. Melanie. - Como você me descobriu?
- Eu não descobri...
- Entra e fecha a porta - a interrompo pelo bem do meu esconderijo. Encolho as pernas para que ela entre e indico o interruptor da luz, que logo ela liga fazendo meus olhos, habituados ao escuro, reclamar.
- Eu vi você entrando - ela admite, continuando.
- Porque não falou nada para ninguém?
- Você queria que eu falasse?
- Claro que não!
- Pois - ela encolhe os ombros e olha em volta para toda aquela parafernália de produtos e utensílios de limpeza. - Foi o que eu pensei, por isso não falei nada, mas está todo o mundo procurando por você. Está meio que um caos lá dentro - e encolhe de novo os ombros como se todo aquele caos fosse impenetrável nela. - Achei que deveria saber.
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Encarar É Feio
RomanceOdeio que me encarem. Podem me olhar dentro do limite da educação, podem tirar foto para ver mais tarde ou até "googlar" India de Portillo e pesquisar o que quiserem. Podem fazer tudo isso, desde que não me encarem em pessoa, como se eu fosse o hom...