Capítulo 37: Blefe

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     Juliano chegou em casa por volta das onze da noite. Todo lugar estava escuro, com o costumeiro cheiro de umidade e solidão. Ele precisava urgentemente de uma mulher ali. Uma doméstica. Isso, contrataria uma o mais rápido possível. Não ficava muito tempo em casa, os mesmos pratos de três dias antes ainda estavam na pia para provar isso, ele também não tinha tempo para nada além do próprio emprego. Há muitos anos ele decidira fazer daquela profissão a sua vida, atrofiando-se a si mesmo. Passava madrugadas em claro estudando casos, correndo atrás de pistas, caçando suspeitos escorregadios... Mas às vezes o vazio lhe batia o peito. Ele sentava sobre o surrado sofá verde, ligava a TV e deixava seu som passar por cada cômodo...

   Em cima da mesa da cozinha ele pôs sua pasta com alguns relatórios sobre o caso Rosevard. Já estava cansado, os olhos caídos teimando em continuar abertos. Mas ele era teimoso, e o caso De Campos parecia tão perto de ser solucionado... Já haviam chegado a um bom suspeito, oras! Ou quase isso. Juliano não podia afirmar nem se o homem estava realmente vivo. Na verdade, fora o nome "Yukio", eles não sabiam nada de concreto sobre o tal marido de Ana Vitória Vasconcelos.

   Ele suspirou, cansado demais para soltar um palavrão que seja àquela pilha de papeis.

   Seu telefone celular logo soou no bolso de trás da calça jeans velha. Era da delegacia.

   – Alô – ele atendeu um tanto esperançoso. Seus dedos dos pés estavam dormentes, e isso sempre era um bom sinal.

   – Delegado, estamos no spa onde Amanda Rosevard foi vista pela última vez – a voz era de um dos mais novos policiais do departamento. Muito aguda para o gosto de Juliano. – O senhor deveria vir pra cá agora. Tem que ver isso.

   Juliano sentiu um arrepio frio na espinha, algo raro em seus muitos anos na polícia. Olhou de relance para a porta fechada do seu quarto. É, o descanso ficaria para depois.

   – Chego aí em quinze minutos – garantiu.

°°°

   Amanda foi jogada sobre o chão gelado. Por um momento viu sombras, vultos escuros de pessoas ao seu redor. Pareciam observá-la com atenção.

   – Como uma ótima anfitriã que sou, te trouxe para ficar com seus semelhantes. Quem sabe assim poderão pôr as fofocas em dia – Vitória enunciou com certo prazer. Era fácil notar um sorriso maroto em seus lábios carnudos. Fazia muito tempo que ela desejava ver aquela cena. – Espero que se divirta, Mands – fez questão de deslizar em sua língua aquele apelido dos tempos de faculdade. Ainda havia outro que Vitória ansiava falar, mas este ela deixaria para uma ocasião especial. E estava próxima.

   Amanda não conseguiu gemer contra o frio era perverso da saleta. Durante todo o processo, seus olhos ficaram quase sempre selados. O ar parecia quase palpável sob a frágil e amedrontada visão de Amanda, talvez ali fizesse um pouco menos de quinze graus.

   Amanda virou para o lado, sua mão se apoiando em algum objeto sólido ao lado. Ela queria se levantar, ou pelo menos o semblante, parecer de alguma forma forte ou determinada. Piscou algumas vezes, quase escaneando a sala toda. Dois olhos grandes e vidrados a observavam de perto. A boca estava um pouco aberta, roxeada.

   Amanda pulou para trás, o que resultou nela caindo em cima de um segundo corpo. Dessa ver parecia uma mulher com a garganta cortada quase completamente. Mais um grito. A mulher morta tocava sua mão gélida na coxa desnuda de Amanda. Ela se levantou, esquecendo completamente sua fome e sede. A adrenalina corria solta por seu corpo e gritava "Fuja! Fuja! Fuja!". Era impossível. Todo o quarto estava repleto de corpos se decompondo ali mesmo, no chão. Suas podridões se misturando as outras. Por isso o local era tão frio, para tentar atrasar a decomposição. O cheiro de fúnebre embalava o silêncio ensurdecedor. Seria muito fácil Amanda apenas desmaiar diante daquela cena. Seu subconsciente decidiria se render e seu corpo apenas o seguiria, mas por algum motivo isso não ocorreu. Ela não soube por quê. Queria mesmo poder apagar, por alguns minutos ter a tranquilidade merecida.

O Assassino (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora