Rafaela Gomes de Campos.
Rafaela Gomes de Campos.
Por mais que ela tentasse, essas palavras não lhe saíam da mente. A forma como Alessandro as pronunciou... Sentiu-se suja novamente. Lá fora, um fraco chuvisco pintava o céu, a neblina se fazia presente e o clima estava de um frio confortante. O cinza daquele céu parecia fazer jus a sua vida, a tudo que sentia... Ela não queria nem pensar em como fora difícil sair daquele fim de mundo, no meio do nada, sem um carro. Porém sentiu que, se não se afastasse – Fugir. Há certos momentos que é o melhor a se fazer –, poderia morrer com o olhar de Alessandro. Nunca o vira daquela forma. Dava medo. Era como se conhecesse uma parte escura dele, a parte decepcionada.
Ela suspirou mais uma vez. Finalmente tinha voltado para casa – casa? Aquela era mesmo a sua casa? Desceu do táxis, exausta.
Dona Letícia a recebeu de braços abertos, mesmo não entendendo o que ela fazia ali. Ofereceu-lhe um "Feliz Natal" e um chocolate quente, mas antes ela precisava tirar as roupas molhadas e desfazer a pequena mala.
D. Letícia era famosa por seu chocolate quente de castanha de caju e Rafaela se pegou realmente com fome. A casa estava enfeitada e uma grande árvore de natal se encontrava em um canto iluminado da sala. Ao fundo, ouvia-se a televisão dando as últimas notícias do feriado mais esperado do ano e a expectativa para o Ano-novo. Rafaela correu para o quarto em busca de algum conforto. Tirou as roupas com pressa e foi para debaixo do chuveiro, à espera das gotas mornas de água, no entanto, o banho lembrou-lhe de coisas ruins. Saiu enjoada dali. Vestiu uma calça de moletom cinza com um cardigã cor-de-rosa, calçou suas chinelas amarelas e confortáveis e foi em busca do prometido chocolate quente.
Chegando à cozinha, ela encontrou D. Letícia dançando uma música moderna que tocava no rádio, enquanto alguns inquilinos assistiam TV na sala.
–Ah, minha filha, você perdeu a ceia de ontem, viu? – ela dizia no tempo em que lavava as louças da noite passada – Foi muito boa. Eu fiz um peru que... Ó – ela beijou os dedos unidos. –Uma delícia!
Rafaela sentou-se à mesa para ouvir melhor a senhora. Nunca tinha percebido como a mulher tinha o sotaque dali. Não devia se surpreender. Cláudia, que estava ali a bem menos tempo, já tinha revelado um atenuado sotaque daquela região, imagina D. Letícia que vivia ali para lá dos vinte anos.
Depois que ela terminou com a louça, sempre falando alguma história pra sua ouvinte e dançando a música da vez, ela estendeu um papeiro com chocolate quente para Rafaela.
–Então, Lena, o que acha? – a senhora perguntou, enquanto a mais nova dava o seu primeiro gole.
Era óbvio o gosto de chocolate naquele líquido, mas o impressionante era o gosto de castanha envolvendo-o. Não era tão forte, mas característico. Havia também, no próprio líquido, pedacinhos de castanha, que davam um jeito mais divertido de se tomar chocolate. Ela nunca havia provado nada igual.
–Uma delícia! – exclamou Rafaela.
–Uhum. – grunhiu, satisfeita.
Rafaela pegou um pão de dentro do pacote de papel e levou, com sua caneca de chocolate, até a sala. Lá, sentou-se e pôs-se a comer enquanto via o telejornal. Todos miravam em silêncio. Havia algo confortável naquilo.
–Últimas notícias – dizia a repórter bem vestida do outro lado da tela – a mulher do advogado Igor Danilo Cantanhede, Thana Cantanhede, de 28 anos – nesse momento apareceu a sua foto na tela, para não deixar qualquer dúvida de quem se tratava – foi encontrada morta nessa manhã de sexta-feira, no Grand Mult Hotel. Há indícios que tenha sido um suicídio, mas a polícia não descartou a possibilidade de um assassinato...
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O Assassino (Livro 2)
Mystery / ThrillerQuase dois anos se passaram desde a morte da irmã de Rafaela, e ela ainda não tem nenhuma pista sobre os assassinos. Diferente deles, que agora não só sabem sua verdadeira identidade como também vão fazer de tudo para mantê-la calada. Para sempre. ...