XLI

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-Eu só te pedi uma coisa, Alice. -Ele falou sem gritar dessa vez. 

Estávamos sentados nos banquinhos do jardim, onde quase perdi meu bv no dia anterior. 

-Você acha mesmo que eu fiz isso? -Perguntei verdadeiramente magoada.

-Ontem, quando eu te contei, eu botaria minhas mãos no fogo sabendo que você nunca vazaria um segredo. Mas agora? Você me explanou para a escola.

-Samuel, desde quando você liga para rádio corredor? 

-Isso é você assumindo a culpa? -Ele falou acusativamente. 

Respirei fundo. 

-Olha aqui, minha vida não é uma mil maravilhas para eu sair espalhando segredo alheio. Eu sei o que é ter segredo e o que é ter medo de as pessoas que você mais confia, e quem sabem dos seus segredos, explanar eles. Se bem que meu pior segredo já foi explanado e metade da escola sabe, mas eu não dei audiência, fingi que não me importava e o assunto sumiu. Você sabe, Samuel, esse povo gosta de audiência e você está dando. E, só para você saber, eu não contei. Ontem, depois que você me deixou ir para o quarto mancando sozinha, eu fiquei lá o resto do dia e, hoje, quando acordei, todo mundo já estava comentando. 

-Então você espera que eu acredite que eles inventaram tudo isso? Inclusive que eu era um aluno ruim para ter atenção? Para com isso, Alice, não precisa mentir, isso é muito específico para ter surgido sem base. 

-Querido, não sei se você se lembra, mas ontem a gente teve nossa pequena conversa particular em um lugar público, as pessoas pegaram metade da história e criaram uma completa. Isso não é o problema. E, pelo amor de deus, de onde você vem? Em todo lugar tem pessoas que tiram nota baixa por atenção. Desculpe, deus Samuel, você não é único! Seu problema é problema de muitos outros adolescentes. 

-Eu não deveria nunca ter aberto a minha boca para te contar nada.

-Você nunca deveria ter aceitado a minha ajuda para estudar! -Gritei. Quem ele acha que é para ficar me acusando de uma coisa que eu não fiz? Nem para as minhas amigas eu contei. Eu não falei nada para ninguém. 

-Eu só queria ser invisível, Alice. Eu só pedi isso. -Ele falou como se eu tivesse assumido a culpa. -Sempre tive que estar na frente da televisão com um sorriso bonito, tirando fotos e abraçando pessoas. Você tem ideia de quanto é um porre gravar roteiro? E ficar repetindo a mesma coisa mil vezes? Aquela cobrança toda em cima de você. Eu passei a minha vida inteira em um set de gravação e as únicas pessoas que iam me ver eram as minhas babás. Sempre que meus pais achavam que eu estava gostando demais de uma, eles iam lá e trocava. Acho que eles faziam isso, para mostrar que eles tinham poder sobre quem eu ia gostar e a hora que eu ia gostar. Deu certo, né? Nunca tive a oportunidade de saber o que é amor de família. Meus pais toda hora tinham alguma coisa para fazer. Era um Oscar, um Emmy, entrevistas e gravações. Quando meu pai morreu a minha mãe só desapareceu mais. Ela se enterrou em um buraco tão fundo que só sabia trabalhar e sorrir para as câmeras. A minha mãe, Alice, me culpou e culpa pela morte do meu pai até hoje, só porque ele estava indo para a estreia de um filme meu e nem era por mim. Eu tive que pagar o meu pai para ele ir lá e,olha, não foi nada barato, gastei metade do meu cachê pelo filme ali. Já o da minha mãe, era alto demais para eu pagar...

-Chega. Chega, Samuel. -Gritei e ele se calou. -Você não pode me contar todos os seus problemas de vida e quando alguém inventar algo sobre você, vir me culpar com uma tonelada de pedras na mão. Você tem seus problemas e são barras bem pesadas. Tudo que teve que enfrentar é muito triste mesmo, mas isso não te dá o direito de me culpar por você ser uma imagem pública. A vida que tem, não é a vida que quer, mas é a sua vida e trate de aprender a viver com isso. Querendo ou não, invisível você nunca vai ser. É um rostinho bonito, com um corpo legal, cabelo estiloso e roupas caras, aceita, você é o que algumas menininhas querem. Você é o que a mídia quer que você seja, ou acha que esses jornalistas não gostam de pegar um adolescente e jogar todos os passos e problemas deles para o mundo? O seu erro é achar que eu sou o problema. Mesmo que eu tivesse espalhado seu segredo, você acha mesmo que as 600 pessoas que estudam aqui é o problema? Para um menino que fingiu ser ignorante, está se mostrando um ignorante de verdade ou,olha, você é um ótimo ator, devia investir na carreira. 

-Para de ser irônica, Alice...

-Admite, Samuel, você não tem base para me culpar desse boato. Você está tão afogado na raiva que não percebe quem é o verdadeiro inimigo.  

-E quem seria? 

-A sua raiva e sua mágoa. Tem tanta raiva dos seus pais dentro de você que você fica cego do que realmente importa. É horrível não ter pais presentes, mas é mais horrível ainda não saber apreciar e dar valor as pessoas que gostam de você. 

-Se nem meus pais gostam de mim, quem vai gostar? 

-Muita gente, Samuel... Espero que consiga se libertar de toda raiva que tem presa de dentro de você e consiga apreciar o que as pessoas fazem e deixam de fazer só para estar ao seu lado. -Levantei do banco e olhei para ele que olhava para o chão. -Quando você deixar de ser consumido pelos seus sentimentos ruins, me procura. Não sou do tipo de pessoa que vai te odiar para sempre, afinal, nesse um mês que a gente estudou junto, por mais que fosse só um passatempo para você, eu consegui aprender várias coisas sobre você e por baixo desse sebo de pessoa, eu sei que tem um menino legal. 

-Eu nunca vou te perdoar, Alice. 

-Essa parte é com você. 

-Adeus Alice.

-Adeus Samuel. 

O Idiota da minha escolaOnde histórias criam vida. Descubra agora